Por que queda do primeiro-ministro da França é preocupante para futuro da Europa
A França vive mais um capítulo de turbulência política, nesta quarta-feira (04/12), com a queda do primeiro-ministro Michel Barnier.
O Parlamento decidiu aprovar um voto de desconfiança a Barnier, que usou poderes especiais para aprovar, na segunda-feira (02/12), o orçamento da seguridade social sem debate.
O resultado desfavorável a Barnier se deu com união da esquerda e da direita. Foi o primeiro voto de desconfiança dado pelo Parlamento desde 1962.
Eram necessários 288 votos para derrubar o primeiro-ministro. Os deputados do bloco de esquerda e do Reagrupamento Nacional de Marine Le Pen alcançaram um total de 331.
Como resultado, o primeiro-ministro é obrigado a apresentar a renúncia de seu governo, e o orçamento que causou sua queda está oficialmente anulado.
É um momento preocupação para a França, pois não há perspectiva clara de que a crise política será resolvida em breve.
O clima de instabilidade política e econômica no país preocupa não apenas os cidadãos do país, mas toda a Europa.
Tradicionalmente, França e Alemanha são vistas como o "motor" da União Europeia (UE). Mas a Alemanha também passa por uma crise doméstica — uma eleição geral antecipada ocorre em fevereiro, após o colapso de sua coalizão governamental.
Esses conflitos internos enfraquecem a UE como um todo.
A ausência de liderança forte no bloco ocorre em um momento crítico da geopolítica global.
Com a França e a Alemanha enfraquecidas, e líderes mais autoritários e simpatizantes da Rússia surgindo na Hungria, Eslováquia e Romênia, a União Europeia pode estar ameaçada.
Perda de força militar
O primeiro impacto da crise política francesa está relacionado ao poderio militar da União Europeia.
Como a Europa vai manter sua postura de força e unidade frente a uma Rússia expansionista e agressiva? E como vai cumprir a promessa de continuar apoiando a Ucrânia, caso o próximo presidente dos EUA, Donald Trump, reduza ou até interrompa a ajuda militar a Kiev?
A França é a única potência militar de grande porte da Europa continental, além do Reino Unido.
O retorno de Trump à Casa Branca preocupa a Europa. Sua insatisfação com o déficit comercial dos EUA com a UE e com os gastos europeus em defesa insuficientes pode resultar em novas tensões políticas.
Impacto econômico
Uma tonelada de cocaína, três brasileiros inocentes e a busca por um suspeito inglês
Episódios
Fim do Novo podcast investigativo: A Raposa
Com a queda de Barnier, o presidente Emmanuel Macron nomeará um novo primeiro-ministro.
É esperado que ele aja rapidamente para nomear um novo governo, especialmente porque Trump deve chegar a Paris neste fim de semana para a reabertura da catedral de Notre Dame. Macron quer evitar o constrangimento de um governo inexistente.
No verão passado, Macron levou dois meses para selecionar um nome que não fosse rejeitado por uma dos grandes grupos de parlamentares.
Também existe a possibilidade de Macron nomear um governo tecnocrático não eleito — mas é improvável que esse governo dure muito tempo, já que enfrentaria dificuldades para ser visto como legítimo.
No entanto, o Parlamento continuará dividido entre três blocos políticos rivais, capazes de paralisar reformas urgentes e o orçamento.
O país é a segunda maior economia da zona do euro, e seu déficit orçamentário está muito além do limite permitido pela União Europeia. A dívida pública também é alarmante.
Isso preocupa tanto os contribuintes franceses, já aflitos com o custo de vida, quanto o restante da zona do euro, que teme que a instabilidade na França comprometa a reputação da moeda comum.
Ao mesmo tempo, a Alemanha, maior economia da UE, também enfrenta problemas.
Sua robusta indústria de exportação foi enfraquecida a ponto de arrastar países da Europa Central e Oriental, tradicionalmente sua base produtiva, para um cenário econômico de queda.
Macron sob pressão
Apesar do cenário conturbado, Macron tenta transmitir calma. Enquanto Barnier alertava na televisão sobre os riscos de instabilidade econômica, Macron, em visita à Arábia Saudita, adotava um tom diferente:
"Não devemos assustar as pessoas. Temos uma economia forte. A França é um país rico e estável, com instituições sólidas", afirmou.
Mas ele também está sob ataque.
O atual impasse parlamentar — onde nenhum grupo pode ter uma maioria funcional — é fruto de uma eleição antecipada convocada por Macron no verão, na qual seu partido, Renascimento, sofreu grandes perdas.
Sob a lei francesa, novas eleições parlamentares só podem ser realizadas daqui a um ano, o que significa que um novo orçamento será dificilmente aprovado antes do final de 2025, mesmo que novas eleições resultem em maior clareza política — algo improvável, segundo pesquisas.
Entre os críticos de Macron, cresce a pressão para que ele renuncie para quebrar o impasse político.
Macron, no entanto, descreve a ideia de uma eleição presidencial antecipada — seu mandato vai até 2027 — como uma "ficção política". Ele afirma que foi eleito pelo povo francês para servir aos interesses da nação.
Um nome que se beneficia dessa crise é Marine Le Pen, líder da extrema direita e rival de longa data de Macron.
Ela está sob investigação por suposto desvio de fundos públicos da UE — o que ela que nega. Caso seja condenada, pode ser impedida de concorrer nas eleições presidenciais de 2027.
Se Macron renunciasse agora, novas eleições presidenciais seriam convocadas em 30 dias, dando a Le Pen a chance de disputar e, possivelmente, vencer.
* Com informações de Katya Adler, editora de Europa da BBC News