Os Altares de Talha Dourada: do deslumbre do olhar ao abraçar da fé
Sílvia Ferreira
Introdução
A presença da arte da talha barroca na sé de Santarém é testemunhada por quatro altares
localizados na nave da igreja do antigo colégio jesuíta. Dois situam-se do lado do
Evangelho e dois do lado da Epístola, imediatamente a seguir ao espaço da capela-mor.
O primeiro do lado do Evangelho é dedicado a N.ª S.ª das Graças e o segundo ao
Sagrado Coração de Jesus. Do lado da Epístola reconhece-se o altar de N.ª S.ª da Glória,
seguindo-se o de N.ª S.ª da Conceição (1).
Veículos doutrinários por excelência, os altares de talha barroca com toda a sua carga de
apelo sensorial transmitido pelas suas formas volumosas, contrastantes e apelativas, às
quais se alia o brilho fulgurante do ouro e a policromia das imagens, tiveram forte
impacto na época da sua construção e continuam nos dias de hoje a exercer o seu
fascínio e função perante o olhar do crente.
Hoje admiramos e interrogamos uma arte representante de uma época longínqua,
irrepetível nos seus pressupostos materiais e formais. Interpretação e resposta a uma
ideia do sagrado e da sua vivência por parte da comunidade a que se destinava, os seus
objectivos imediatos cifravam-se na captação da atenção e plena adesão dos fiéis à
mensagem que veiculava. Os altares deste primeiro barroco nacional (c. 1670-1720)
funcionaram também como meios de aproximação do crente à sua devoção particular,
multiplicando ainda os espaços de acolhimento das imagens e da simbologia associada
ao orago.
O seu sentido actual, para além do testemunho inegável que prestam acerca de uma
determinada conjuntura histórica, económica, política e principalmente religiosa, e
nesse sentido têm de ser abordados sempre em contexto com as especificidades do seu
tempo, resolve-se também na continuidade da função para a qual inicialmente foram
construídos. Os retábulos de talha da sé de Santarém, inseridos numa mole de tantas
outras expressões artísticas - umas mais próximas como a retabulística pétrea do altarmor, sensivelmente sua contemporânea, ou ainda aquelas outras mais tardias, entre as
1
quais se destaca a da autoria do escultor italiano João António Bellini (2) (Vale, 2008:
90-91; SALDANHA, 2010: 191-198), até às pinturas dos tectos, às imagens dos altares
ou às obras de embutidos de mármore – ajudam a construir e a sedimentar o carácter de
obra de arte total que este templo apresenta e que tão bem define os interiores sacros das
nossas igrejas dos séculos XVII e XVIII.
Mudam-se as invocações dos altares ao sabor dos tempos e da história, devoções
surgem com mais força, apagando outras que em tempos foram fervorosas, mas o
retábulo permanece e acolhe no seu seio as variações que os tempos e as novas crenças
impõem.
Neste templo, que outrora foi igreja do colégio jesuíta de Santarém, este aspecto tornase crucial no entendimento da mudança de oragos das capelas de talha em estudo. Dois
altares dedicados a santos da Companhia, a saber: S. Estanislau Kostka e S. Francisco
Xavier perderam o seu sentido e força de culto imediato após a expulsão dos jesuítas do
nosso país. Se o significado das imagens se dissipou no novo contexto, o mesmo não
aconteceu com os suportes retabulares, os quais receberam outras invocações, provando
a sua capacidade de adaptação aos novos requisitos históricos.
Como nota adicional, refira-se que a imagem de S. Francisco Xavier que pertencia ao
altar homónimo, encontra-se actualmente exposta no corredor nobre do antigo colégio,
tal como o túmulo do Senhor Morto, que primitivamente estava colocado na base do
altar dedicado a N.ª S.ª do Socorro (actual altar de N.ª S.ª das Graças).
As informações que a historiografia da arte conseguiu apurar até ao momento acerca da
encomenda e autoria das obras retabulares de talha barroca da actual sé de Santarém são
significativas. Dos quatro altares em estudo possuímos informações detalhadas sobre a
encomenda de três, enquanto para o quarto, o de N.ª S.ª das Graças, não se conhecem
até à data quaisquer documentos que nos elucidem acerca da autoria do seu entalhe.
Altar de Nossa Senhora das Graças
Quanto à capela que alberga nos dias de hoje a imagem de N.ª S.ª das Graças, a
historiografia revela que foi instituída pelo Dr. Manuel de Andrade Pessoa, vigário de S.
Martinho, no ano de 1686. Este espaço sagrado foi outrora dedicado a N.ª S.ª do
Socorro e terá sido com base nesta invocação que o seu retábulo foi executado. Sobre a
história da sua construção os dados são muito exíguos, sabendo-se apenas que a capela
foi instituída pelo supra citado Dr. Manuel de Andrade Pessoa (Custódio; Serrão, 1996:
pp. 79-86). Se tomarmos em linha de conta a data da sua instituição, 1686, obtemos
2
também uma data aproximada para a encomenda da obra de guarnição desta capela, o
que apontará para finais do século XVII, princípios do XVIII. Aliás, em termos
estilísticos, o retábulo de N.ª S.ª das Graças enquadra-se perfeitamente na produção de
finais de seiscentos e inícios de setecentos, apresentando as características formais do
estilo em voga à época. Semelhante ao retábulo que lhe está afrontado, o de N.ª S.ª da
Glória, a sua estrutura plana de duplas colunas intercaladas com pilastras (nas quais se
reconhecem reservas para albergar relíquias) que rasga ao centro local de exposição do
orago, compagina-se com outros modelos semelhantes executados na esfera da escola
de talha de Lisboa, nomeadamente o retábulo da capela do Santíssimo Sacramento da
igreja de S. Roque. O seu remate em forma de edícula testemunha igualmente um gosto
que, por vezes, caminhou a par com os modelos mais difundidos dos remates de
arquivoltas torsas. Apesar de a sua estrutura ser pouco barroquizante, no sentido do
dinamismo das formas que se associam a este conceito, a utilização de decoração
bastante expressiva irá conferir-lhe um carácter dinâmico e visualmente apelativo. A
utilização de embutidos marmóreos na sua base, reflectindo um gosto muito cultivado
nas igrejas jesuítas (3), a adopção da policromia em certos apontamentos decorativos, a
exuberância dos elementos ornamentais, como por exemplo, as variadas espécies florais
e vegetalistas, a dinâmica do remate, no qual se reconhecem figuras em meios-corpos
ladeando o painel central, ou ainda aquelas de anjos meninos sentados em volutas,
animando o espaço, revelam opções que conjugadas definem este altar como uma peça
cabalmente representativa do gosto da época em matéria de retabulística. Para além de
todos estes ingredientes decorativos canónicos presentes na arte da talha retabular deste
período, este altar de N.ª S.ª das Graças revela ainda alguns pormenores ornamentais
invulgares que o inscrevem num conjunto de obras restrito, nas quais apontamentos de
excepção destacam a obra também pela sua singularidade. Referimo-nos concretamente
ao recurso à figuração da serpente em vários locais das colunas torsas e à presença de
um pequeno coelho na coluna exterior do lado esquerdo do retábulo. Embora a presença
destes elementos não seja estranha a outras artes decorativas portuguesas coetâneas
desta, como por exemplo aos embutidos marmóreos ou à azulejaria, onde a figuração de
pequenos animais ligados à simbologia católica também pontua, o que é relevante neste
caso é a sua colocação num local habitualmente reservado para os símbolos
eucarísticos, como as folhas de videira, os cachos de uvas, as espigas, as aves fénix e
ocasionalmente os pequenos putti. Estamos, de facto, perante um retábulo que não se
limita a seguir as directrizes artísticas do seu tempo no que à forma e à ornamentação
3
concerniam, mas que vai mais longe e desenvolve a mensagem, apelando a níveis de
interpretação mais aprofundados por parte do observador.
Altar de Nossa Senhora da Conceição
A primeira contratação de obra de talha para a antiga igreja dos jesuítas de Santarém, da
qual temos notícia documental, foi ajustada entre um particular de nome João Henriques
e o mestre entalhador Manuel Álvares, no dia 21 de Abril de 1703 (4). O retábulo a ser
executado seria dedicado ao beato Estanislau Kostka (actual altar de N.ª S.ª da
Conceição).
O entalhador Manuel Álvares seria à época um bem cotado mestre de Lisboa. A sua
actividade profissional é conhecida desde os anos de 1693-94, altura em que intervém
na execução do grandioso retábulo-mor da igreja matriz da Ameixoeira, localidade no
limite da Lisboa de então (Serrão, 2003: p. 108; Santo, 1997: pp. 65-67).
O seu envolvimento com obras de talha na cidade de Santarém terá começado cerca de
1700, segundo atribuição de Vítor Serrão, data aproximada da execução do retábulomor da capela da ordem terceira de S. Francisco, anexa ao convento de Jesus, ou do
Sítio (Serrão, 2006: pp. 199-224). Efectivamente, no retábulo-mor deste pequeno
templo reconhecemos obra retabulística que poderá ser adstrita à marca estética deste
mestre, semelhante àquela que entalhou para a sé de Santarém. O retábulo segue as
coordenadas estilísticas patenteadas pelos seus dois congéneres da sé, mormente nas
famosas aduelas em forma de cartela que, sobredimensionadas, pontuam no remate do
retábulo.
Este retábulo eleva-se directamente sobre a base, apresentando as suas duplas colunas
torsas recamadas de cachos de uvas, folhas de videira e aves Fénix. Esta forma de
assentamento directo das colunas sobre a base pode ser visualizada noutra obra
documentada de Manuel Álvares, aquela do retábulo-mor da já mencionada igreja
matriz da Ameixoeira.
A 2 de Fevereiro de 1700, o mestre é referido como morador em Santarém, no contrato
que assina com o padre Francisco Rodrigues de Araújo a fim de executar o retábulo-mor
da igreja de Santa Cruz da Batalha, obra desaparecida (5). Entre os anos de 1710-1716
registam-se na documentação notarial da vila da Batalha várias contendas entre Manuel
Álvares e a fábrica da igreja de Santa Cruz, a par de actos notariais de naturezas
distintas que colocam, não só o mestre a residir na Batalha, como revelam que seria
possuidor de terrenos agrícolas na mesma vila (Gomes, 1991: p. 257).
4
Através da consulta da documentação dos contratos de obra e outros em que Manuel
Álvares interveio, deduzimos que a sua actividade profissional se dividiu entre o eixo
Lisboa- Santarém/Batalha. Se em 1700 é referido como morador em Santarém, três anos
depois, quando contrata a obra do retábulo do beato Estanislau Kostka, já é dado como
morador em Lisboa “as Portas da Cruz”, sendo que em 1713 quando volta a trabalhar
para a igreja inaciana de Santarém é referido como morador nessa mesma vila.
A última referência à actividade artística deste mestre é justamente revelada pelo
contrato de obra retabular que assina a 31 de Maio de 1713 com a mesa da confraria de
S. Francisco Xavier, sediada na antiga igreja jesuíta do colégio de Santarém.
Como já referimos anteriormente, o actual altar dedicado a N.ª S.ª da Conceição foi
contratado por um escalabitano de nome João Henriques, instituidor da capela. Como
proprietário do espaço cabia-lhe, como era habitual à época, a guarnição do mesmo,
traduzida na construção de retábulo e restante decoração complementar. O texto do
contrato que adjudica a obra é taxativo sobre a forma como a mesma deveria ser
realizada, o seu preço e a data limite para a sua entrega, desvendando igualmente outras
informações assaz curiosas e relevantes nestes ajustes de obra e que se explanam nos
seguintes trechos deste ajuste notarial:
“(…) Item que esta obra sera muito perfeita e comforme a planta que se mostrou e
contentou a elle dito João Henriques e esta por elle aSinada; asim em o lauor das
colunas como com tudo o mais (…) e que Leuando o Deos a elle dito João Henriques
sera a contento do Reitor e mais padres do dito Collegio; Item que dara feita a obra
athe fim de Março do anno proximo de mil setecentos e quatro sob pena de Sincoenta
mil reis se até o tal dia a não der acabada e aSentada; Item que o presso do dito
retaBollo são trezentos e des mil reis (…) Item que o dito Manoel Aluares sera
oBrigado a trazer por sua conta e risco da Cidade de LisBoa a dita oBra athe a Jgreja
ahonde ha de asenta sem para isso elle dito João Henriques lhe dar mais cousa alguma
que o presso de trezentos e des mil reis (…) Item que morendo o dito Manoel Aluares
neste tempo hum dos fiadores ao diante declarados a que chamão Manoel Valente
official do mesmo officio dara feita a dita oBra no mesmo tempo deBaicho das
clauzullas desta escriptura (…)” (6).
Da leitura deste ajuste de obra destacam-se três cláusulas interessantes no contexto da
produção nacional da obra de talha e, mais concretamente, deste retábulo: entende-se
que o mesmo deveria ter sido desenhado por Manuel Álvares, pois é feita menção a um
risco apresentado e assinado pelo encomendador e pelo artista, refere-se que Manuel
5
Valente, colega de Manuel Álvares, e morador na mesma rua de Lisboa, participa não
apenas como mero fiador, mas igualmente como o mestre a quem caberia finalizar a
obra, caso Manuel Álvares ficasse impossibilitado de o fazer, e ainda que imputada ao
mestre seria toda a tarefa e custo de transportar o retábulo de Lisboa até à igreja do
colégio, a fim de ser ensamblado na capela que lhe era destinada.
Este retábulo, originalmente dedicado ao beato Estanislau Kostka, e que hoje acolhe a
imagem de N.ª S.ª da Conceição, serviu, anos mais tarde de modelo ao que lhe está
fronteiro, outrora dedicado a S. Francisco Xavier (actual do Sagrado Coração de Jesus.)
No que concerne à sua composição estrutural e decorativa e à sua plasticidade,
enquadra-se na produção retabular de inícios de Setecentos: a estrutura evolui a partir de
supedâneo de madeira imitando embutidos marmóreos, no qual assenta a predela
profusamente entalhada com motivos acânticos. Duplas colunas articuladas com uma
bem dimensionada pilastra ao centro - estrutura que se impõe no corpo do retábulo e
apenas deixa espaço para um nicho ao centro, no qual se reconhece a imagem da
Virgem da Conceição -, introduzem sentido de profundidade, de certa forma
comprometido pela diminuta abertura central (Lameira, 2006: p. 99).
À zona da predela foi concedida uma relevância acrescida, como aliás era usual nestes
retábulos. Ao centro observa-se um nicho no qual pontua imagem de vulto. Em torno
deste desenvolve-se decoração profusa espraiada em painéis recamados por volumosa
folhagem acântica, a qual se articula com flores variadas e com tritões. Ladeando o
topo, dois putti cingidos por guirlandas, sentam-se descontraída e graciosamente. Nos
extremos, as mísulas bem dimensionadas, envoltas em gordos acantos e enrolamentos
de volutas, projectam-se da estrutura, num movimento que acentua a sua
tridimensionalidade.
O topo do retábulo resolve-se em arco de volta plena, prolongando a estrutura das
colunas e da pilastra, ritmado pela aposição de aduelas radiais. Ao centro, um grande
escudete domina o registo e insere uma nota de originalidade e magnificência no altar.
Se a sua estrutura se revela poderosa, dimensionada, com um carácter “pesado” e algo
fechado sobre si, a decoração aposta vem contrariar de alguma forma esta intensidade,
que à primeira vista se apresenta demasiado impositiva ao olhar do observador. De
facto, a grande fluidez das formas decorativas observadas neste altar, traduzidas em
espécies florais, vegetalistas que convivem preferencialmente nas mísulas, nas colunas e
pilastras, articuladas por vezes com aves fénix, ou ainda as pequenas cabeças de anjos
aladas que pontuam a espaços o friso do entablamento, introduzem ritmo, leveza e
6
coerência na articulação entre a estrutura e os elementos decorativos que com ela se
unem na produção do objecto final que é o altar.
Para além de todos estes elementos canónicos habitualmente presentes na decoração dos
altares do primeiro barroco nacional – folhas de acanto, aves Fénix, cabeças de anjos,
espécies florais variadas, enrolamentos de volutas - neste retábulo, e também naquele
que lhe está fronteiro, observa-se a presença de um animal fantástico, entalhado nas
pilastras extremas do retábulo e nos painéis que ladeiam o nicho central da predela,
semelhante a um golfinho ou ao mitológico tritão, cujo modelo foi recorrentemente
usado anos antes pelo mestre entalhador lisboeta José Rodrigues Ramalho nas obras de
talha que executou no altar de N.ª S.ª da Doutrina na igreja dos jesuítas de São Roque,
ou ainda nas molduras da nave da igreja do convento de Nossa Senhora da Conceição
dos Cardais, em Lisboa.
As marcas pessoais de uma estética de entalhe reconhecível definem esta obra de
Manuel Álvares, tal como a do altar que entalhou dez anos depois para esta mesma
igreja, ou aquele que terá executado para a capela de S. Francisco ou do Sítio desta
mesma cidade ou ainda para o altar-mor da matriz da Ameixoeira. As formas robustas
das suas estruturas, aliadas à enérgica elegância e variedade dos seus elementos
ornamentais, transformam estes altares não só em objectos de intensa fruição sensorial,
mas essencialmente em repositórios de sistemas de códigos a serem decifrados, no
contínuo diálogo que tendem a promover entre as esferas do terreno e do sagrado.
Altar do Sagrado Coração de Jesus
Contratado dez anos mais tarde ao mesmo mestre entalhador que tinha executado o
retábulo do ainda então beato Estanislau Kostka (7), pela irmandade de S. Francisco
Xavier, o altar dedicado ao “Apóstolo das Índias”, foi pensado para figurar na capela
fronteira ao do jovem beato jesuíta. Ao mestre foi pedido que executasse um altar
semelhante àquele que uma dezena de anos atrás havia entalhado, mas com algumas
alterações que introduzissem uma maior magnificência na obra. Assim é-lhe
expressamente recomendado: “(…) accrescentando-lhe a obra que se acha expressa em
hum risco separado feito pera o dito accrescentamento e asignado pelo dito juis da
irmandade como tãobem será o risco que apresentou o dito official da dita tribuna do
Beato Estanislao a qual tribuna tinhão ajustado com o dito Manoel Alvares que a fazia
7
per preço de quatrocentos e trinta mil reis e a daria acabada e acentada por dia de São
Miguel do anno que vem de mil setecentos e quatorze (…) com declaração que na tarja
da dita tribuna se porá algum remate e relleuo que a fizeçe mais vistosa do que estaua
a do Beato Estanislao a qual circunstancia se expressaua aqui por senão achar no
risco (…)” (8).
Efectivamente, quando observamos o actual altar do Sagrado Coração de Jesus,
reconhecemos a imediata similitude que apresenta relativamente ao que lhe está
fronteiro. À primeira vista pouco os distingue para além do orago e de alguns
pormenores que denotam intervenções posteriores à sua realização. No caso deste altar,
as diferenças mais significativas residem na zona da predela, concretamente ao nível do
nicho central, que perdeu a decoração do seu interior, e ao nível das mísulas que
suportam as colunas interiores, as quais desapareceram na sua forma primitiva para dar
lugar a suportes quadrangulares lisos, decorados com uma flor entalhada ao centro.
Para além destas diferenças imediatas, este altar, que aparentemente mimetiza o seu
congénere fronteiro, apresenta opções estéticas algo diferenciadas. Enquanto o altar
dedicado a N.ª S.ª da Conceição se compagina com a obra de talha produzida em finais
do século XVII e primeiros anos da centúria seguinte, naquilo que a mesma possuía de
intensidade e robustez de formas, especialmente no que à ornamentação dizia respeito,
este outro denota já uma maior leveza de realização, que pode ser observada na
crescente fluidez dos ornatos. Os acantos não são tão robustos e relevados, as mísulas
apresentam-se mais discretas, as espécies florais mais elegantes e menos impositivas,
mesmo o escudete que fecha o remate do retábulo é mais esguio e elegante, cumprindo
uma das cláusulas do contrato de obra, enfim, é todo um novo conceito que se começa a
implantar e que dá mostras da sua insinuação nestas realizações da talha portuguesa.
Altar de Nossa Senhora da Glória
Uma história obscura e atribulada rodeia a execução deste interessante retábulo de N.ª
S.ª da Glória. A capela terá sido fundada pelas filhas de Francisco de Sousa Pinto,
cavaleiro da Casa Real, Jerónima de Sousa Morais e Mariana de Sousa Gouveia, em
1705 (Custódio; Serrão, 1996: pp. 79-86). Nesse mesmo ano, a 15 de Junho, foi
efectuada a encomenda do seu retábulo através de escritura notarial, tendo para esse
efeito sido solicitado ao padre Bernardo Brandão, jesuíta residente no seu colégio de
Santo Antão, o ajuste com o mestre entalhador António Martins Calheiros.
8
Estava-se, então, em meados do ano de 1705, quando o padre Bernardo Brandão,
morador no seu colégio de Santo Antão de Lisboa, se desloca à Rua da Rosa do
Carvalho, casa do tabelião João de Azevedo Reis, para onde o mestre António Martins
Calheiros, morador na Rua da Boa Viagem, ao Chiado, também se dirigiu, a fim de
contratar a obra do retábulo de N.ª S.ª da Glória (9).
Sobre a actividade artística de António Martins Calheiros, os dados que actualmente
possuímos colocam-no a trabalhar em 1701 para a irmandade de S. Pedro da igreja
matriz do Montijo, encarregue da obra de talha do altar da mesma irmandade (10). Esta
obra, que ainda hoje subsiste no referido templo do Montijo, apresenta-se muito
intervencionada e já com poucas semelhanças com o altar que o mestre Martins
Calheiros teria esculpido em inícios da centúria de Setecentos. Quatro anos mais tarde,
no mesmo ano em que celebra contrato com os padres jesuítas de Santarém para
entalhar o altar de N.ª S.ª da Glória, é contratado para realizar o retábulo-mor da ermida
de N.ª S.ª da Assunção, na Calçada do Combro, em Lisboa, obra que infelizmente já não
existe (11). A derradeira informação a que tivemos acesso sobre a actividade
profissional deste mestre refere que tinha contratado em 1709, em parceria com o seu
colega o mestre entalhador e escultor Manuel Machado, a execução do retábulo de
Santa Ana na igreja do convento do Carmo de Lisboa. Este ajuste de obra não foi
cumprido pelos mestres e dois anos mais tarde, Manuel Machado compromete-se a
acabar a obra, isentando o seu colega Martins Calheiros de qualquer responsabilidade na
mesma (12).
Voltando à obra de talha do altar de N.ª S.ª da Glória, esta, encomendada pela quantia
de 360.000 réis, teria de estar pronta e assentada na dita capela dentro de um ano a
contar do dia da celebração da escritura. Um dos pormenores curiosos deste contrato,
relativamente às relações familiares no âmbito das oficinas de talha, é a presença do
filho do mestre António Martins Calheiros, de nome Júlio, o qual assina como
testemunha no final do documento. Esta presença poderá indiciar já uma colaboração
nas obras de talha que seu pai executava.
Contrariamente à maioria dos textos que firmam ajustes de execução de talha, este
referente à contratação do altar de N.ª S.ª da Glória é bastante rico em termos de
descrição da obra que os padres inacianos desejavam para esta capela. O altar seria
executado mimetizando integralmente o da capela fronteira. O extremo cuidado posto
na descrição do trabalho que se contratava, vai ao ponto de enunciar minuciosamente a
composição estrutural e decorativa da capela a copiar, bem assim como a pintura que se
9
desejava ver transposta para escultura de médio relevo, a fim de figurar no remate do
altar de N.ª S.ª da Glória. Pela originalidade da descrição, pela raridade que configura,
não só na prescrição das directrizes que deveriam formatar a obra, mas essencialmente
na apetência pela transposição da temática de uma de pintura numa escultura em médio
relevo, este acto notarial revela-se assaz interessante no universo de produção destes
documentos. Por tal reproduzimos aqui um excerto desta escritura, que ilustra de forma
sintomática o acima referido: “(...) E a forma ou Rescunho deste Retabollo ha de ser o
outro que esta defronte della da cornijia para baixo (...) Do frizo para sima que he a
volta do Arco o rascunho e forma desta obra ha de ser a pintura que esta na mesma
cappela E vem a ser huma gloria; E esta gloria tera doze figuras dos vinte e quatro
ancioins do Apocalipse doze de cada banda e estas figuras serão de vulto quanto pedir
a obra para que fique boa; E terão nas mãos as ditas figuras seus jnstormentos e suas
croas na cabesa, (...) no mejo destas figuras e lugar mais Alto estara hum cordeiro
leuantado de vulto com hum livro aberto com sete segilos por de tras do cordeiro Hum
resplandor (...) no mejo de tudo esse cordeiro ha de ter sete portas, na cabeça como
esta na pintura na Aduella do Arco do frizo para sima hão de hir as mesmas figuras que
estão na pintura todas de releuo e vem a ser o Evangelista São João escreuendo no
Livro do Apocalipse e o para o cordeiro Christo da parte do Evangelho (...)” (13).
O remate do retábulo de N.ª S.ª da Glória, talvez pelo carácter singular que prefigura em
obras de talha deste período, foi considerado pela historiografia como uma peça que
teria sido deslocada de uma igreja de Santarém e aqui colocada. Ajuda a esta tese o
facto da composição escultórica se compaginar em termos estilísticos com a produção
do século XVI e não com aquela de finais de seiscentos, inícios de setecentos. De facto,
a modelação das figuras, a forma como estão organizadas no espaço, tudo remete para
uma realização cronologicamente anterior.
Pensamos que a justificação para que aquela obra tenha sido esculpida daquela forma e
não de outra se alicerça no teor da encomenda em si mesma. O que foi solicitado ao
mestre foi que copiasse uma pré-existência, e só nesse sentido se pode compreender o
seu carácter. Interessante é verificar que figurações dos vinte e quatro anciãos do
Apocalipse com seus instrumentos musicais, apostos em tímpanos de portais, são
referenciadas por exemplo na arte das catedrais românicas. Basta lembrarmo-nos do
célebre pórtico da Glória da catedral de Santigo de Compostela, na qual a corte de reis
músicos se une a outras figuras da corte celeste na homenagem à figura central de Cristo
Pantocrator, para obtermos um termo de comparação com esta composição do altar de
10
N.ª S.ª da Glória. Uma hipótese que poderá ser equacionada é justamente a de se querer
incluir no altar de invocação da Senhora da Glória a corte de reis músicos que, tal como
no portal da catedral de Santiago de Compostela, testemunham e reverenciam a Glória
de Cristo, associando directamente, neste caso de Santarém, a Glória da Virgem com a
exaltação da Glória de seu filho.
Como acima se referiu, o risco do retábulo de N.ª S.ª da Glória seria o do altar que lhe
estava fronteiro, ao tempo dedicado a N.ª S.ª do Socorro. De facto, o que se pedia ao
mestre entalhador era que copiasse o modelo indicado pelos padres inacianos de
Santarém até ao mais ínfimo pormenor, resultando assim uma obra que só se
distinguiria da sua matriz pela inclusão de escultura, figurando o tema que na outra se
apresentava em suporte de pintura. Ao mestre solicitava-se que copiasse à vista um
retábulo e a temática da pintura, a fim de executar um altar para o qual não se pedia
inovação nem originalidade, mas sim conformidade com um determinado modelo.
Como sabemos, esta prática não era inédita à época, sendo até comum a contratação de
obras que referiam expressamente outras como seus modelos “e melhor se puder ser”.
O que neste contrato se revela verdadeiramente interessante e singular é a encomenda
de uma obra de escultura em médio relevo, cuja fonte de inspiração seria uma outra de
pintura. Neste caso, o verdadeiro desafio lançado a este mestre entalhador foi a
realização de uma obra de escultura que tivesse a capacidade de captar e transmitir a
temática daquela figurada na realização pictórica que lhe serviu de inspiração.
Sabemos que a obra de talha deste retábulo não foi concluída por António Martins
Calheiros, pois a 3 de Outubro de 1709, os mesmos padres jesuítas de Santarém
contrataram-se com o igualmente mestre entalhador e escultor Matias Rodrigues de
Carvalho para que este executasse a obra de talha da mesma capela de N.ª S.ª da Glória
(Coutinho e Ferreira, 2004: pp. 281-282).
O motivo para tal permanece ainda desconhecido, podendo várias hipóteses serem
colocadas como plausíveis: descontentamento dos encomendadores com parte da obra já
realizada, incumprimento de prazos por parte do mestre, por motivos vários, que podem
ir desde incapacidade para finalizar a obra por sobrecarga de trabalho, por motivos de
saúde ou outros, enfim vários cenários possíveis de serem equacionados para este
incumprimento de contrato de obra perfilam-se no horizonte. Certo é que, como acima
referimos, António Martins Calheiros tinha contratado uma obra de talha com a
irmandade de Santa Ana do convento do Carmo de Lisboa, em 1709, e não conseguiu
11
cumprir com os prazos da mesma. Tal facto poderá indiciar uma impossibilidade física
ou outra por parte do mestre em dar cumprimento aos seus compromissos laborais.
Relativamente ao mestre escolhido para dar continuidade à obra, Matias Rodrigues de
Carvalho, sabe-se que era um entalhador e escultor com provas dadas no seu mister,
tendo realizado inúmeros trabalhos quer para as igrejas de ordens religiosas, quer para
igrejas paroquiais, capelas e ermidas um pouco por toda a cidade de Lisboa e área de
sua influência.
A primeira referência documentada a obra sua remonta a 1677, data em que recebe uma
parte do pagamento pelo retábulo que estava a executar para a irmandade de N.ª S.ª de
Guadalupe e de São Benedito de Palermo, sita no convento de São Francisco da cidade
de Lisboa (14). A partir desta data são constantes as referências a obras suas, sendo de
salientar aquela que em 1682 realizou para a igreja do antigo colégio jesuíta de
Coimbra, dedicado às Onze Mil Virgens, actual sé da mesma cidade (15). A capela
contratada foi dedicada a São Francisco Xavier, inaugurando uma colaboração com a
Companhia de Jesus, que só conheceria o seu fim, precisamente, com o trabalho do altar
de N.ª S.ª da Glória.
Volvidos dois anos encontramos o mestre a trabalhar no altar-mor da igreja de Santa
Catarina de Monte Sinai, em Lisboa, encarregue de todo o labor de entalhe do mesmo.
(16). Em 1688 referenciamo-lo envolvido no trabalho de obra de talha de dois retábulos
na nave da igreja do convento da Encarnação de Lisboa das Comendadeiras de Avis
(17), colaboração que retomará anos mais tarde, precisamente em 1697, quando as
religiosas lhe encomendam a obra de molduras, ornatos de sobrejanelas e simalhas
destinadas à nave da igreja (18).
A primeira obra de talha conhecida de Matias Rodrigues de Carvalho destinada à cidade
de Santarém foi adjudicada a 9 de Fevereiro de 1693, tendo como intervenientes o
vigário da igreja de Santiago da mesma vila e o mestre entalhador. O trabalho a ser
executado seria o do retábulo-mor da referida igreja, exemplar infelizmente já
desaparecido (19).
O ano de 1699 foi bastante profícuo em obras para o mestre Rodrigues de Carvalho.
Registam-se pagamentos efectuados pela talha do coro da igreja do Hospital Real de
Todos os Santos (20), o contrato para execução do retábulo-mor da igreja de São João
Baptista do Lumiar, situado no então limite da cidade de Lisboa, (21) e a feitura das
molduras que figurariam nas ilhargas da capela-mor (22).
12
Em 1701 volta a receber pagamentos provenientes do Hospital Real de Todos os Santos,
desta feita pela obra de talha que fez nos arcazes da sacristia da igreja (23).
Em 1704, três anos passados, encontramo-lo a celebrar contrato para execução do
retábulo-mor da igreja de Santa Justa de Lisboa, obra já desaparecida (24) e em 1705 é
novamente requisitado para executar obra de talha, desta feita para o altar-mor da
ermida de N.ª S.ª da Ajuda e Santos Fiéis de Deus, ao Bairro Alto (25). Em Janeiro do
ano seguinte emite recibo no valor de noventa reis aos padres jesuítas do colégio de
Santo Antão, como quitação do pagamento pela execução do trono eucarístico destinado
ao retábulo-mor da sua igreja (26).
Como sabemos, em Outubro de 1709 contrata a feitura do retábulo de N.ª S.ª da Glória
com os padres jesuítas de Santarém, no entanto, é acometido de doença grave que o
deixa acamado e a 1 de Março de 1710 elabora testamento, no qual refere precisamente
o seu debilitado estado de saúde e faz as suas últimas disposições “(…) eu Mathias
Rodrigues de Carualho estando em meu prefeito Juizo e entendimento que Deos Nosso
Senhor me deu estando doente em huma cama e temendo me da morte e dezejando por
minha alma no caminho da saluação por não saber o que Deos Nosso Senhor de mim
quer fazer e quando será seruido de me Leuar para Sj faco este testamento (…)” (27).
Neste interessante documento, Matias Rodrigues de Carvalho refere que é natural de
Valada, junto a Santarém, é casado e não tem filhos, e que deseja ser sepultado na igreja
de S. Francisco da vila escalabitana, por pertencer à ordem terceira dos religiosos
franciscanos.
Nesse ano confessa ter diversas obras em curso e outras finalizadas, entre elas
contavam-se: o cadeiral do coro da sé de Lisboa; o altar de N.ª S.ª da Terra Solta na
mesma sé; uma obra na sacristia do convento da Graça, em Lisboa; o altar de S. Miguel
na igreja de N.ª S.ª da Encarnação, em Lisboa; uma obra na igreja de São Miguel de
Alfama; a do retábulo-mor da igreja de São João da Talha e o trono do altar-mor da
igreja do colégio de Santo Antão dos padres jesuítas de Lisboa.
Matias Rodrigues de Carvalho viria efectivamente a falecer na então vila de Santarém,
pouco depois de ter ditado as suas últimas vontades, não antes sem salvaguardar que:
“(…) tenho huma obra com o Padre Aluaro Machado da Companhia em o Colegio de
Santarem a qual acabara Joseph Pereira Lobo de que tenho Recebido outenta mil reis e
o mais que resta se dará para o meu funeral ao Reuerendo Bernardo Francisco Barreto
ajustadas as contas com o dito Joseph Pereira Lobo a quem fica emcomendada a obra
ultimamente (…)”.
13
Através da documentação disponível ficamos assim a saber que este retábulo de N.ª S.ª
da Glória, começado por António Martins Calheiros e posteriormente ajustado com
Matias Rodrigues de Carvalho, terá sido efectivamente finalizado pelo mestre
entalhador José Pereira Lobo, possivelmente discípulo de Matias Rodrigues de
Carvalho.
O novo ajuste notarial celebrado com Matias Rodrigues de Carvalho define contornos
diferentes para a execução da obra deste altar. Desde logo, o que se pede ao mestre é
que execute este à semelhança daquele que fez para a capela da irmandade de N.ª S.ª
dos Agonizantes da igreja da casa professa de S. Roque. Não existe nenhuma menção ao
retábulo fronteiro ao de N.ª S.ª da Glória como modelo, nem se refere nenhuma
especificação mais. No que o anterior texto notarial tinha de eloquente e assertivo em
relação à obra encomendada, este outro tem de breve e sucinto, pois nas suas cláusulas
mais significativas refere apenas: “(...) e pelo mesmo rescunho e forma que elle fes na
capella de N.ª S.ª dos Agonizantes da Caza Proffesa de São Roque desta dita cidade
porque do mesmo modo e pelo mesmo rescunho fara esta de N.ª S.ª da Gloria pondo
elle tudo o que for condusente ate com efeito ser acabada que se entendera ate o mes de
Janeiro do anno proximo que uem de setecentos e des e a dita obra há de constar de
capella e nicho da senhora e gloria de serafins e Anjos deixando o sacrario mais fora a
façe da banqueta de pedra (...)” (28).
Apesar de sabermos que António Martins Calheiros não finalizou a obra para a qual foi
contratado pelos padres inacianos de Santarém, ficou, no entanto, como lembrança da
primeira encomenda e atestando o facto de que a mesma arrancou, a composição
escultórica do remate, sendo que a talha do restante altar se compagina mais com aquela
que efectivamente foi encomendada mais tarde a Matias Rodrigues de Carvalho.
Este segundo projecto dos padres jesuítas reservou 120.000 réis que seriam pagos ao
mestre pela obra encomendada, a qual teria de estar pronta no mês de Janeiro de 1710.
Este retábulo de N.ª S.ª da Glória situa-se na nave do lado da Epístola. Partindo de uma
base de embutidos marmóreos, a sua estrutura articula sobre predela, duplas colunas
torsas intercaladas por pilastra. Nestas, observam-se espaços reservados à colocação de
relíquias. O seu remate, em arco de volta plena, é preenchido por composição
escultórica em médio relevo, figurando os vinte e quatro anciãos do Apocalipse com
seus instrumentos musicais, como aliás se refere no contrato de obra, em adoração do
Livro Sagrado. No intradorso do arco, entre nuvens, observam-se quatro bustos de anjos
adultos em médio relevo, acompanhados por cabeças de anjos aladas.
14
Nota final
Os retábulos de talha que ainda hoje se preservam na sé de Santarém, outrora realizados com
destino à igreja do colégio jesuíta da mesma cidade, reflectem um período áureo da arte da
talha de produção portuguesa. Revelando-se no seu conjunto muito próximos em termos
cronológicos, podem ser apresentados como um bom testemunho e exemplo da produção
oficinal da escola de talha de Lisboa na viragem do século XVII. De facto, tendo sido todos
executados possivelmente nos alvores do século dezoito, as suas afinidades são evidentes,
demonstrando, no entanto, como para a mesma época, as soluções estruturais podiam ser
diversas em consonância com o gosto do encomendador. Se tanto o altar de N.ª S.ª das Graças,
como aquele dedicado a N.ª S.ª da Glória apresentam uma concepção mais classicizante e
rígida da estrutura retabular e utilizam a ornamentação como contraponto a esse
comprometimento estético, já os altares dedicados ao Sagrado Coração de Jesus e a N.ª S.ª da
Conceição propõem outros níveis de leitura em que o dinamismo da estrutura, de forma
côncava, cria um ponto de fuga central e a ornamentação exuberante, de forma simbiótica,
reafirma a intenção primordial da peça: a atracção e a adesão incondicional do observador à
mensagem veiculada.
De facto, nesta sé de Santarém, a talha demonstra a sua versatilidade de formas e conteúdos
decorativos e iconográficos, que não necessitam de transitar de um estilo para outro para
afirmarem a sempre possível novidade do traço e a consequente originalidade das diferentes
peças produzidas em tempos coevos.
NOTAS
(1) Estes retábulos, bem como todos os outros constantes desta antiga igreja do colégio jesuíta de
Santarém, já foram alvo de análise por (Lameira, 2006; pp. 86-101). De igual forma, também
nós já escrevemos sobre esta temática (Ferreira, 2010: pp. 406-413).
(2) Veja-se a abordagem a este assunto no capítulo da autoria de Sandra Costa Saldanha.
(3) Sobre a utilização preferencial de embutidos marmóreos nas igrejas da Companhia de Jesus em
território nacional, cf. os estudos de (Coutinho, 2010: pp. 104-111). Cf. o texto da sua autoria
inserido na presente obra.
(4) ARQUIVO DISTRITAL DE SANTARÉM, Cartório Notarial de Santarém, Arquivo 3.º, L.º 14
de notas de Miguel Andrade Ferreira, fls. 129- 130 v.º. Cota gentilmente cedida por Vítor Serrão.
(5) ARQUIVO DISTRITAL DE LEIRIA, Registos Notariais: Batalha 5D/ 8, fls. 64 v.º- 66, publ.
por (GOMES, 1991: pp. 283-284).
(6) A.D.S, Cartório Notarial de Santarém, Arquivo 3.º, L.º 14 de notas de Miguel Andrade Ferreira,
fl. 130.
(7) O beato Estanislau Kostka foi canonizado apenas em 1716 e será a partir dessa data que o seu
altar mudará a invocação para São Estanislau Kostka.
15
(8) A.D.S., Cartório Notarial de Santarém, Arquivo 3.º, L.º 19 de notas de José Felix da Costa, fls.
123 v.º-124. Cota cedida por Vítor Serrão.
(9) ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO, Cartório Notarial de Lisboa, n.º 1 (antigo
n.º 12A), Cx. 78, L.º 338, fls. 26-27, publ. por (CARVALHO, 1974: p. 30).
(10) ARQUIVO DISTRITAL DE SETÚBAL, Cartório Notarial de Aldeia Galega (Montijo), L.º 13,
1.º Ofício, fls. 242-243 v.º, publ. por (LUCAS, 2004: pp. 370-379).
(11) A.N.T.T., C.N.L., n.º 3 (antigo n.º 11), Cx. 95, L.º 392, fls. 81 v.º-82, publ. por (CARVALHO,
1974: p. 28).
(12) A.N.T.T., C.N.L., n.º 1 (antigo n.º 12A), Cx. 83, L.º 362, fls. 25 v.º -26, publ. por (CARVALHO,
1974: p. 41).
(13) Cf. nota 9.
(14) A.N.T.T., C.N.L., n.º 2 (antigo n.º 1), Cx. 56, L.º 297, fls. 39 v.º-40 v.º. Cota cedida por Vítor
Serrão.
(15) ARQUIVO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA, Fundo Documental Universitário, Depósito
IV, Secção 1.ª E, Estante 25, Tabela 2, n.º 7, publ. por (FEITOR, 1995: pp. 11-25).
(16) ARQUIVO PAROQUIAL DA IGREJA DE SANTA CATARINA, Irmandade de Santa
Catarina, “Livro de Róes e recibos diversos das Casas pertencentes ás irmandades e despezas
feitas com a Egreja, 1661 a 1799”, Cx. n.º 6.
(17) A.N.T.T., C.N.L., n.º 15 (antigo n.º 7A), Cx. 76, L.º 392, fls. 29-30. Cota cedida por Vítor
Serrão.
(18) A.N.T.T., C.N.L., n.º 15 (antigo n.º 7A), Cx. 80, L.º 416, fls. 41 v.º-42. Cota cedida por Vítor
Serrão.
(19) A.D.S, C.N.S., L.º 3 de notas de João Vaz de Paiva (1692-1693), fls. 93-96 v.º. Cota cedida por
Vítor Serrão.
(20) A.N.T.T., Arquivo dos Hospitais Civis de Lisboa – Secção de S. José, L.º 865, fl. 91 v.º, publ.
por (SIMÕES, 2002: p. 160)
(21) A.N.T.T., C.N.L., n.º 15 (antigo n.º 7A), Cx. 81, L.º 427, fls. 44-45 v.º.
(22) ARQUIVO PAROQUIAL DA IGREJA DE SÃO JOÃO BAPTISTA DO LUMIAR, Irmandade
do Santíssimo Sacramento, “Contas das despesas feitas em obras na Igreja Parochial do Lumiar 1696 a 1745”, fls 48 v.º-49.
(23) A.N.T.T., A.H.C.L.- Secção de S. José, L.º 867, fl. 92, publ. por (SIMÕES, 2002: p. 160)
(24) A.N.T.T., C.N.L., n.º 15 (antigo n.º 7A), Cx. 83, L.º 449, fls. 24-25, publ. por (CARVALHO,
1964: p. 27).
(25) A.N.T.T., C.N.L., n.º 1 (antigo n.º 12A), Cx. 78, L.º 337, fls. 52-53. Cota cedida por Vítor
Serrão.
(26) A.N.T.T., Jesuítas, Cx. 16, Mç. 67, n.º 66, ref. por (CARVALHO, 1964: p. 23).
(27) A.N.T.T., Registo Geral de Testamentos, L.º 128, fls. 88-91, publ. por (SIMÕES, 2002: pp. 175177 e 219).
(28) A.N.T.T., C.N.L., n.º 15 (antigo n.º 7A), Cx. 85, L.º 469, fl. 94, publ. por (Coutinho e Ferreira,
2004: pp. 281-282).
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Fundo Documental Universitário, Depósito IV, Secção 1.ª E, Estante 25, Tabela 2, n.º 7
ARQUIVO PAROQUIAL DA IGREJA DE SANTA CATARINA, LISBOA
Irmandade de Santa Catarina, “Livro de Róes e recibos diversos das Casas pertencentes ás irmandades e
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Irmandade do Santíssimo Sacramento, “Contas das despesas feitas em obras na Igreja Parochial do
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19
Os Altares de Talha Dourada: do deslumbre do olhar ao abraçar da fé
Sílvia Ferreira
Introdução
A presença da arte da talha barroca na sé de Santarém é testemunhada por quatro altares localizados na nave da igreja do antigo colégio jesuíta. Dois situam-se do lado do Evangelho e dois do lado da Epístola, imediatamente a seguir ao espaço da capela-mor. O primeiro do lado do Evangelho é dedicado a N.ª S.ª das Graças e o segundo ao Sagrado Coração de Jesus. Do lado da Epístola reconhece-se o altar de N.ª S.ª da Glória, seguindo-se o de N.ª S.ª da Conceição (1).
Veículos doutrinários por excelência, os altares de talha barroca com toda a sua carga de apelo sensorial transmitido pelas suas formas volumosas, contrastantes e apelativas, às quais se alia o brilho fulgurante do ouro e a policromia das imagens, tiveram forte impacto na época da sua construção e continuam nos dias de hoje a exercer o seu fascínio e função perante o olhar do crente.
Hoje admiramos e interrogamos uma arte representante de uma época longínqua, irrepetível nos seus pressupostos materiais e formais. Interpretação e resposta a uma ideia do sagrado e da sua vivência por parte da comunidade a que se destinava, os seus objectivos imediatos cifravam-se na captação da atenção e plena adesão dos fiéis à mensagem que veiculava. Os altares deste primeiro barroco nacional (c. 1670-1720) funcionaram também como meios de aproximação do crente à sua devoção particular, multiplicando ainda os espaços de acolhimento das imagens e da simbologia associada ao orago.
O seu sentido actual, para além do testemunho inegável que prestam acerca de uma determinada conjuntura histórica, económica, política e principalmente religiosa, e nesse sentido têm de ser abordados sempre em contexto com as especificidades do seu tempo, resolve-se também na continuidade da função para a qual inicialmente foram construídos. Os retábulos de talha da sé de Santarém, inseridos numa mole de tantas outras expressões artísticas - umas mais próximas como a retabulística pétrea do altar-mor, sensivelmente sua contemporânea, ou ainda aquelas outras mais tardias, entre as quais se destaca a da autoria do escultor italiano João António Bellini (2) (Vale, 2008: 90-91; SALDANHA, 2010: 191-198), até às pinturas dos tectos, às imagens dos altares ou às obras de embutidos de mármore – ajudam a construir e a sedimentar o carácter de obra de arte total que este templo apresenta e que tão bem define os interiores sacros das nossas igrejas dos séculos XVII e XVIII.
Mudam-se as invocações dos altares ao sabor dos tempos e da história, devoções surgem com mais força, apagando outras que em tempos foram fervorosas, mas o retábulo permanece e acolhe no seu seio as variações que os tempos e as novas crenças impõem.
Neste templo, que outrora foi igreja do colégio jesuíta de Santarém, este aspecto torna-se crucial no entendimento da mudança de oragos das capelas de talha em estudo. Dois altares dedicados a santos da Companhia, a saber: S. Estanislau Kostka e S. Francisco Xavier perderam o seu sentido e força de culto imediato após a expulsão dos jesuítas do nosso país. Se o significado das imagens se dissipou no novo contexto, o mesmo não aconteceu com os suportes retabulares, os quais receberam outras invocações, provando a sua capacidade de adaptação aos novos requisitos históricos.
Como nota adicional, refira-se que a imagem de S. Francisco Xavier que pertencia ao altar homónimo, encontra-se actualmente exposta no corredor nobre do antigo colégio, tal como o túmulo do Senhor Morto, que primitivamente estava colocado na base do altar dedicado a N.ª S.ª do Socorro (actual altar de N.ª S.ª das Graças).
As informações que a historiografia da arte conseguiu apurar até ao momento acerca da encomenda e autoria das obras retabulares de talha barroca da actual sé de Santarém são significativas. Dos quatro altares em estudo possuímos informações detalhadas sobre a encomenda de três, enquanto para o quarto, o de N.ª S.ª das Graças, não se conhecem até à data quaisquer documentos que nos elucidem acerca da autoria do seu entalhe.
Altar de Nossa Senhora das Graças
Quanto à capela que alberga nos dias de hoje a imagem de N.ª S.ª das Graças, a historiografia revela que foi instituída pelo Dr. Manuel de Andrade Pessoa, vigário de S. Martinho, no ano de 1686. Este espaço sagrado foi outrora dedicado a N.ª S.ª do Socorro e terá sido com base nesta invocação que o seu retábulo foi executado. Sobre a história da sua construção os dados são muito exíguos, sabendo-se apenas que a capela foi instituída pelo supra citado Dr. Manuel de Andrade Pessoa (Custódio; Serrão, 1996: pp. 79-86). Se tomarmos em linha de conta a data da sua instituição, 1686, obtemos também uma data aproximada para a encomenda da obra de guarnição desta capela, o que apontará para finais do século XVII, princípios do XVIII. Aliás, em termos estilísticos, o retábulo de N.ª S.ª das Graças enquadra-se perfeitamente na produção de finais de seiscentos e inícios de setecentos, apresentando as características formais do estilo em voga à época. Semelhante ao retábulo que lhe está afrontado, o de N.ª S.ª da Glória, a sua estrutura plana de duplas colunas intercaladas com pilastras (nas quais se reconhecem reservas para albergar relíquias) que rasga ao centro local de exposição do orago, compagina-se com outros modelos semelhantes executados na esfera da escola de talha de Lisboa, nomeadamente o retábulo da capela do Santíssimo Sacramento da igreja de S. Roque. O seu remate em forma de edícula testemunha igualmente um gosto que, por vezes, caminhou a par com os modelos mais difundidos dos remates de arquivoltas torsas. Apesar de a sua estrutura ser pouco barroquizante, no sentido do dinamismo das formas que se associam a este conceito, a utilização de decoração bastante expressiva irá conferir-lhe um carácter dinâmico e visualmente apelativo. A utilização de embutidos marmóreos na sua base, reflectindo um gosto muito cultivado nas igrejas jesuítas (3), a adopção da policromia em certos apontamentos decorativos, a exuberância dos elementos ornamentais, como por exemplo, as variadas espécies florais e vegetalistas, a dinâmica do remate, no qual se reconhecem figuras em meios-corpos ladeando o painel central, ou ainda aquelas de anjos meninos sentados em volutas, animando o espaço, revelam opções que conjugadas definem este altar como uma peça cabalmente representativa do gosto da época em matéria de retabulística. Para além de todos estes ingredientes decorativos canónicos presentes na arte da talha retabular deste período, este altar de N.ª S.ª das Graças revela ainda alguns pormenores ornamentais invulgares que o inscrevem num conjunto de obras restrito, nas quais apontamentos de excepção destacam a obra também pela sua singularidade. Referimo-nos concretamente ao recurso à figuração da serpente em vários locais das colunas torsas e à presença de um pequeno coelho na coluna exterior do lado esquerdo do retábulo. Embora a presença destes elementos não seja estranha a outras artes decorativas portuguesas coetâneas desta, como por exemplo aos embutidos marmóreos ou à azulejaria, onde a figuração de pequenos animais ligados à simbologia católica também pontua, o que é relevante neste caso é a sua colocação num local habitualmente reservado para os símbolos eucarísticos, como as folhas de videira, os cachos de uvas, as espigas, as aves fénix e ocasionalmente os pequenos putti. Estamos, de facto, perante um retábulo que não se limita a seguir as directrizes artísticas do seu tempo no que à forma e à ornamentação concerniam, mas que vai mais longe e desenvolve a mensagem, apelando a níveis de interpretação mais aprofundados por parte do observador.
Altar de Nossa Senhora da Conceição
A primeira contratação de obra de talha para a antiga igreja dos jesuítas de Santarém, da qual temos notícia documental, foi ajustada entre um particular de nome João Henriques e o mestre entalhador Manuel Álvares, no dia 21 de Abril de 1703 (4). O retábulo a ser executado seria dedicado ao beato Estanislau Kostka (actual altar de N.ª S.ª da Conceição).
O entalhador Manuel Álvares seria à época um bem cotado mestre de Lisboa. A sua actividade profissional é conhecida desde os anos de 1693-94, altura em que intervém na execução do grandioso retábulo-mor da igreja matriz da Ameixoeira, localidade no limite da Lisboa de então (Serrão, 2003: p. 108; Santo, 1997: pp. 65-67).
O seu envolvimento com obras de talha na cidade de Santarém terá começado cerca de 1700, segundo atribuição de Vítor Serrão, data aproximada da execução do retábulo-mor da capela da ordem terceira de S. Francisco, anexa ao convento de Jesus, ou do Sítio (Serrão, 2006: pp. 199-224). Efectivamente, no retábulo-mor deste pequeno templo reconhecemos obra retabulística que poderá ser adstrita à marca estética deste mestre, semelhante àquela que entalhou para a sé de Santarém. O retábulo segue as coordenadas estilísticas patenteadas pelos seus dois congéneres da sé, mormente nas famosas aduelas em forma de cartela que, sobredimensionadas, pontuam no remate do retábulo.
Este retábulo eleva-se directamente sobre a base, apresentando as suas duplas colunas torsas recamadas de cachos de uvas, folhas de videira e aves Fénix. Esta forma de assentamento directo das colunas sobre a base pode ser visualizada noutra obra documentada de Manuel Álvares, aquela do retábulo-mor da já mencionada igreja matriz da Ameixoeira.
A 2 de Fevereiro de 1700, o mestre é referido como morador em Santarém, no contrato que assina com o padre Francisco Rodrigues de Araújo a fim de executar o retábulo-mor da igreja de Santa Cruz da Batalha, obra desaparecida (5). Entre os anos de 1710-1716 registam-se na documentação notarial da vila da Batalha várias contendas entre Manuel Álvares e a fábrica da igreja de Santa Cruz, a par de actos notariais de naturezas distintas que colocam, não só o mestre a residir na Batalha, como revelam que seria possuidor de terrenos agrícolas na mesma vila (Gomes, 1991: p. 257).
Através da consulta da documentação dos contratos de obra e outros em que Manuel Álvares interveio, deduzimos que a sua actividade profissional se dividiu entre o eixo Lisboa- Santarém/Batalha. Se em 1700 é referido como morador em Santarém, três anos depois, quando contrata a obra do retábulo do beato Estanislau Kostka, já é dado como morador em Lisboa “as Portas da Cruz”, sendo que em 1713 quando volta a trabalhar para a igreja inaciana de Santarém é referido como morador nessa mesma vila.
A última referência à actividade artística deste mestre é justamente revelada pelo contrato de obra retabular que assina a 31 de Maio de 1713 com a mesa da confraria de S. Francisco Xavier, sediada na antiga igreja jesuíta do colégio de Santarém.
Como já referimos anteriormente, o actual altar dedicado a N.ª S.ª da Conceição foi contratado por um escalabitano de nome João Henriques, instituidor da capela. Como proprietário do espaço cabia-lhe, como era habitual à época, a guarnição do mesmo, traduzida na construção de retábulo e restante decoração complementar. O texto do contrato que adjudica a obra é taxativo sobre a forma como a mesma deveria ser realizada, o seu preço e a data limite para a sua entrega, desvendando igualmente outras informações assaz curiosas e relevantes nestes ajustes de obra e que se explanam nos seguintes trechos deste ajuste notarial:
“(…) Item que esta obra sera muito perfeita e comforme a planta que se mostrou e contentou a elle dito João Henriques e esta por elle aSinada; asim em o lauor das colunas como com tudo o mais (…) e que Leuando o Deos a elle dito João Henriques sera a contento do Reitor e mais padres do dito Collegio; Item que dara feita a obra athe fim de Março do anno proximo de mil setecentos e quatro sob pena de Sincoenta mil reis se até o tal dia a não der acabada e aSentada; Item que o presso do dito retaBollo são trezentos e des mil reis (…) Item que o dito Manoel Aluares sera oBrigado a trazer por sua conta e risco da Cidade de LisBoa a dita oBra athe a Jgreja ahonde ha de asenta sem para isso elle dito João Henriques lhe dar mais cousa alguma que o presso de trezentos e des mil reis (…) Item que morendo o dito Manoel Aluares neste tempo hum dos fiadores ao diante declarados a que chamão Manoel Valente official do mesmo officio dara feita a dita oBra no mesmo tempo deBaicho das clauzullas desta escriptura (…)” (6).
Da leitura deste ajuste de obra destacam-se três cláusulas interessantes no contexto da produção nacional da obra de talha e, mais concretamente, deste retábulo: entende-se que o mesmo deveria ter sido desenhado por Manuel Álvares, pois é feita menção a um risco apresentado e assinado pelo encomendador e pelo artista, refere-se que Manuel Valente, colega de Manuel Álvares, e morador na mesma rua de Lisboa, participa não apenas como mero fiador, mas igualmente como o mestre a quem caberia finalizar a obra, caso Manuel Álvares ficasse impossibilitado de o fazer, e ainda que imputada ao mestre seria toda a tarefa e custo de transportar o retábulo de Lisboa até à igreja do colégio, a fim de ser ensamblado na capela que lhe era destinada.
Este retábulo, originalmente dedicado ao beato Estanislau Kostka, e que hoje acolhe a imagem de N.ª S.ª da Conceição, serviu, anos mais tarde de modelo ao que lhe está fronteiro, outrora dedicado a S. Francisco Xavier (actual do Sagrado Coração de Jesus.)
No que concerne à sua composição estrutural e decorativa e à sua plasticidade, enquadra-se na produção retabular de inícios de Setecentos: a estrutura evolui a partir de supedâneo de madeira imitando embutidos marmóreos, no qual assenta a predela profusamente entalhada com motivos acânticos. Duplas colunas articuladas com uma bem dimensionada pilastra ao centro - estrutura que se impõe no corpo do retábulo e apenas deixa espaço para um nicho ao centro, no qual se reconhece a imagem da Virgem da Conceição -, introduzem sentido de profundidade, de certa forma comprometido pela diminuta abertura central (Lameira, 2006: p. 99).
À zona da predela foi concedida uma relevância acrescida, como aliás era usual nestes retábulos. Ao centro observa-se um nicho no qual pontua imagem de vulto. Em torno deste desenvolve-se decoração profusa espraiada em painéis recamados por volumosa folhagem acântica, a qual se articula com flores variadas e com tritões. Ladeando o topo, dois putti cingidos por guirlandas, sentam-se descontraída e graciosamente. Nos extremos, as mísulas bem dimensionadas, envoltas em gordos acantos e enrolamentos de volutas, projectam-se da estrutura, num movimento que acentua a sua tridimensionalidade.
O topo do retábulo resolve-se em arco de volta plena, prolongando a estrutura das colunas e da pilastra, ritmado pela aposição de aduelas radiais. Ao centro, um grande escudete domina o registo e insere uma nota de originalidade e magnificência no altar.
Se a sua estrutura se revela poderosa, dimensionada, com um carácter “pesado” e algo fechado sobre si, a decoração aposta vem contrariar de alguma forma esta intensidade, que à primeira vista se apresenta demasiado impositiva ao olhar do observador. De facto, a grande fluidez das formas decorativas observadas neste altar, traduzidas em espécies florais, vegetalistas que convivem preferencialmente nas mísulas, nas colunas e pilastras, articuladas por vezes com aves fénix, ou ainda as pequenas cabeças de anjos aladas que pontuam a espaços o friso do entablamento, introduzem ritmo, leveza e coerência na articulação entre a estrutura e os elementos decorativos que com ela se unem na produção do objecto final que é o altar.
Para além de todos estes elementos canónicos habitualmente presentes na decoração dos altares do primeiro barroco nacional – folhas de acanto, aves Fénix, cabeças de anjos, espécies florais variadas, enrolamentos de volutas - neste retábulo, e também naquele que lhe está fronteiro, observa-se a presença de um animal fantástico, entalhado nas pilastras extremas do retábulo e nos painéis que ladeiam o nicho central da predela, semelhante a um golfinho ou ao mitológico tritão, cujo modelo foi recorrentemente usado anos antes pelo mestre entalhador lisboeta José Rodrigues Ramalho nas obras de talha que executou no altar de N.ª S.ª da Doutrina na igreja dos jesuítas de São Roque, ou ainda nas molduras da nave da igreja do convento de Nossa Senhora da Conceição dos Cardais, em Lisboa.
As marcas pessoais de uma estética de entalhe reconhecível definem esta obra de Manuel Álvares, tal como a do altar que entalhou dez anos depois para esta mesma igreja, ou aquele que terá executado para a capela de S. Francisco ou do Sítio desta mesma cidade ou ainda para o altar-mor da matriz da Ameixoeira. As formas robustas das suas estruturas, aliadas à enérgica elegância e variedade dos seus elementos ornamentais, transformam estes altares não só em objectos de intensa fruição sensorial, mas essencialmente em repositórios de sistemas de códigos a serem decifrados, no contínuo diálogo que tendem a promover entre as esferas do terreno e do sagrado.
Altar do Sagrado Coração de Jesus
Contratado dez anos mais tarde ao mesmo mestre entalhador que tinha executado o retábulo do ainda então beato Estanislau Kostka (7), pela irmandade de S. Francisco Xavier, o altar dedicado ao “Apóstolo das Índias”, foi pensado para figurar na capela fronteira ao do jovem beato jesuíta. Ao mestre foi pedido que executasse um altar semelhante àquele que uma dezena de anos atrás havia entalhado, mas com algumas alterações que introduzissem uma maior magnificência na obra. Assim é-lhe expressamente recomendado: “(…) accrescentando-lhe a obra que se acha expressa em hum risco separado feito pera o dito accrescentamento e asignado pelo dito juis da irmandade como tãobem será o risco que apresentou o dito official da dita tribuna do Beato Estanislao a qual tribuna tinhão ajustado com o dito Manoel Alvares que a fazia per preço de quatrocentos e trinta mil reis e a daria acabada e acentada por dia de São Miguel do anno que vem de mil setecentos e quatorze (…) com declaração que na tarja da dita tribuna se porá algum remate e relleuo que a fizeçe mais vistosa do que estaua a do Beato Estanislao a qual circunstancia se expressaua aqui por senão achar no risco (…)” (8).
Efectivamente, quando observamos o actual altar do Sagrado Coração de Jesus, reconhecemos a imediata similitude que apresenta relativamente ao que lhe está fronteiro. À primeira vista pouco os distingue para além do orago e de alguns pormenores que denotam intervenções posteriores à sua realização. No caso deste altar, as diferenças mais significativas residem na zona da predela, concretamente ao nível do nicho central, que perdeu a decoração do seu interior, e ao nível das mísulas que suportam as colunas interiores, as quais desapareceram na sua forma primitiva para dar lugar a suportes quadrangulares lisos, decorados com uma flor entalhada ao centro.
Para além destas diferenças imediatas, este altar, que aparentemente mimetiza o seu congénere fronteiro, apresenta opções estéticas algo diferenciadas. Enquanto o altar dedicado a N.ª S.ª da Conceição se compagina com a obra de talha produzida em finais do século XVII e primeiros anos da centúria seguinte, naquilo que a mesma possuía de intensidade e robustez de formas, especialmente no que à ornamentação dizia respeito, este outro denota já uma maior leveza de realização, que pode ser observada na crescente fluidez dos ornatos. Os acantos não são tão robustos e relevados, as mísulas apresentam-se mais discretas, as espécies florais mais elegantes e menos impositivas, mesmo o escudete que fecha o remate do retábulo é mais esguio e elegante, cumprindo uma das cláusulas do contrato de obra, enfim, é todo um novo conceito que se começa a implantar e que dá mostras da sua insinuação nestas realizações da talha portuguesa.
Altar de Nossa Senhora da Glória
Uma história obscura e atribulada rodeia a execução deste interessante retábulo de N.ª S.ª da Glória. A capela terá sido fundada pelas filhas de Francisco de Sousa Pinto, cavaleiro da Casa Real, Jerónima de Sousa Morais e Mariana de Sousa Gouveia, em 1705 (Custódio; Serrão, 1996: pp. 79-86). Nesse mesmo ano, a 15 de Junho, foi efectuada a encomenda do seu retábulo através de escritura notarial, tendo para esse efeito sido solicitado ao padre Bernardo Brandão, jesuíta residente no seu colégio de Santo Antão, o ajuste com o mestre entalhador António Martins Calheiros.
Estava-se, então, em meados do ano de 1705, quando o padre Bernardo Brandão, morador no seu colégio de Santo Antão de Lisboa, se desloca à Rua da Rosa do Carvalho, casa do tabelião João de Azevedo Reis, para onde o mestre António Martins Calheiros, morador na Rua da Boa Viagem, ao Chiado, também se dirigiu, a fim de contratar a obra do retábulo de N.ª S.ª da Glória (9).
Sobre a actividade artística de António Martins Calheiros, os dados que actualmente possuímos colocam-no a trabalhar em 1701 para a irmandade de S. Pedro da igreja matriz do Montijo, encarregue da obra de talha do altar da mesma irmandade (10). Esta obra, que ainda hoje subsiste no referido templo do Montijo, apresenta-se muito intervencionada e já com poucas semelhanças com o altar que o mestre Martins Calheiros teria esculpido em inícios da centúria de Setecentos. Quatro anos mais tarde, no mesmo ano em que celebra contrato com os padres jesuítas de Santarém para entalhar o altar de N.ª S.ª da Glória, é contratado para realizar o retábulo-mor da ermida de N.ª S.ª da Assunção, na Calçada do Combro, em Lisboa, obra que infelizmente já não existe (11). A derradeira informação a que tivemos acesso sobre a actividade profissional deste mestre refere que tinha contratado em 1709, em parceria com o seu colega o mestre entalhador e escultor Manuel Machado, a execução do retábulo de Santa Ana na igreja do convento do Carmo de Lisboa. Este ajuste de obra não foi cumprido pelos mestres e dois anos mais tarde, Manuel Machado compromete-se a acabar a obra, isentando o seu colega Martins Calheiros de qualquer responsabilidade na mesma (12).
Voltando à obra de talha do altar de N.ª S.ª da Glória, esta, encomendada pela quantia de 360.000 réis, teria de estar pronta e assentada na dita capela dentro de um ano a contar do dia da celebração da escritura. Um dos pormenores curiosos deste contrato, relativamente às relações familiares no âmbito das oficinas de talha, é a presença do filho do mestre António Martins Calheiros, de nome Júlio, o qual assina como testemunha no final do documento. Esta presença poderá indiciar já uma colaboração nas obras de talha que seu pai executava.
Contrariamente à maioria dos textos que firmam ajustes de execução de talha, este referente à contratação do altar de N.ª S.ª da Glória é bastante rico em termos de descrição da obra que os padres inacianos desejavam para esta capela. O altar seria executado mimetizando integralmente o da capela fronteira. O extremo cuidado posto na descrição do trabalho que se contratava, vai ao ponto de enunciar minuciosamente a composição estrutural e decorativa da capela a copiar, bem assim como a pintura que se desejava ver transposta para escultura de médio relevo, a fim de figurar no remate do altar de N.ª S.ª da Glória. Pela originalidade da descrição, pela raridade que configura, não só na prescrição das directrizes que deveriam formatar a obra, mas essencialmente na apetência pela transposição da temática de uma de pintura numa escultura em médio relevo, este acto notarial revela-se assaz interessante no universo de produção destes documentos. Por tal reproduzimos aqui um excerto desta escritura, que ilustra de forma sintomática o acima referido: “(...) E a forma ou Rescunho deste Retabollo ha de ser o outro que esta defronte della da cornijia para baixo (...) Do frizo para sima que he a volta do Arco o rascunho e forma desta obra ha de ser a pintura que esta na mesma cappela E vem a ser huma gloria; E esta gloria tera doze figuras dos vinte e quatro ancioins do Apocalipse doze de cada banda e estas figuras serão de vulto quanto pedir a obra para que fique boa; E terão nas mãos as ditas figuras seus jnstormentos e suas croas na cabesa, (...) no mejo destas figuras e lugar mais Alto estara hum cordeiro leuantado de vulto com hum livro aberto com sete segilos por de tras do cordeiro Hum resplandor (...) no mejo de tudo esse cordeiro ha de ter sete portas, na cabeça como esta na pintura na Aduella do Arco do frizo para sima hão de hir as mesmas figuras que estão na pintura todas de releuo e vem a ser o Evangelista São João escreuendo no Livro do Apocalipse e o para o cordeiro Christo da parte do Evangelho (...)” (13).
O remate do retábulo de N.ª S.ª da Glória, talvez pelo carácter singular que prefigura em obras de talha deste período, foi considerado pela historiografia como uma peça que teria sido deslocada de uma igreja de Santarém e aqui colocada. Ajuda a esta tese o facto da composição escultórica se compaginar em termos estilísticos com a produção do século XVI e não com aquela de finais de seiscentos, inícios de setecentos. De facto, a modelação das figuras, a forma como estão organizadas no espaço, tudo remete para uma realização cronologicamente anterior.
Pensamos que a justificação para que aquela obra tenha sido esculpida daquela forma e não de outra se alicerça no teor da encomenda em si mesma. O que foi solicitado ao mestre foi que copiasse uma pré-existência, e só nesse sentido se pode compreender o seu carácter. Interessante é verificar que figurações dos vinte e quatro anciãos do Apocalipse com seus instrumentos musicais, apostos em tímpanos de portais, são referenciadas por exemplo na arte das catedrais românicas. Basta lembrarmo-nos do célebre pórtico da Glória da catedral de Santigo de Compostela, na qual a corte de reis músicos se une a outras figuras da corte celeste na homenagem à figura central de Cristo Pantocrator, para obtermos um termo de comparação com esta composição do altar de N.ª S.ª da Glória. Uma hipótese que poderá ser equacionada é justamente a de se querer incluir no altar de invocação da Senhora da Glória a corte de reis músicos que, tal como no portal da catedral de Santiago de Compostela, testemunham e reverenciam a Glória de Cristo, associando directamente, neste caso de Santarém, a Glória da Virgem com a exaltação da Glória de seu filho.
Como acima se referiu, o risco do retábulo de N.ª S.ª da Glória seria o do altar que lhe estava fronteiro, ao tempo dedicado a N.ª S.ª do Socorro. De facto, o que se pedia ao mestre entalhador era que copiasse o modelo indicado pelos padres inacianos de Santarém até ao mais ínfimo pormenor, resultando assim uma obra que só se distinguiria da sua matriz pela inclusão de escultura, figurando o tema que na outra se apresentava em suporte de pintura. Ao mestre solicitava-se que copiasse à vista um retábulo e a temática da pintura, a fim de executar um altar para o qual não se pedia inovação nem originalidade, mas sim conformidade com um determinado modelo. Como sabemos, esta prática não era inédita à época, sendo até comum a contratação de obras que referiam expressamente outras como seus modelos “e melhor se puder ser”. O que neste contrato se revela verdadeiramente interessante e singular é a encomenda de uma obra de escultura em médio relevo, cuja fonte de inspiração seria uma outra de pintura. Neste caso, o verdadeiro desafio lançado a este mestre entalhador foi a realização de uma obra de escultura que tivesse a capacidade de captar e transmitir a temática daquela figurada na realização pictórica que lhe serviu de inspiração.
Sabemos que a obra de talha deste retábulo não foi concluída por António Martins Calheiros, pois a 3 de Outubro de 1709, os mesmos padres jesuítas de Santarém contrataram-se com o igualmente mestre entalhador e escultor Matias Rodrigues de Carvalho para que este executasse a obra de talha da mesma capela de N.ª S.ª da Glória (Coutinho e Ferreira, 2004: pp. 281-282).
O motivo para tal permanece ainda desconhecido, podendo várias hipóteses serem colocadas como plausíveis: descontentamento dos encomendadores com parte da obra já realizada, incumprimento de prazos por parte do mestre, por motivos vários, que podem ir desde incapacidade para finalizar a obra por sobrecarga de trabalho, por motivos de saúde ou outros, enfim vários cenários possíveis de serem equacionados para este incumprimento de contrato de obra perfilam-se no horizonte. Certo é que, como acima referimos, António Martins Calheiros tinha contratado uma obra de talha com a irmandade de Santa Ana do convento do Carmo de Lisboa, em 1709, e não conseguiu cumprir com os prazos da mesma. Tal facto poderá indiciar uma impossibilidade física ou outra por parte do mestre em dar cumprimento aos seus compromissos laborais.
Relativamente ao mestre escolhido para dar continuidade à obra, Matias Rodrigues de Carvalho, sabe-se que era um entalhador e escultor com provas dadas no seu mister, tendo realizado inúmeros trabalhos quer para as igrejas de ordens religiosas, quer para igrejas paroquiais, capelas e ermidas um pouco por toda a cidade de Lisboa e área de sua influência.
A primeira referência documentada a obra sua remonta a 1677, data em que recebe uma parte do pagamento pelo retábulo que estava a executar para a irmandade de N.ª S.ª de Guadalupe e de São Benedito de Palermo, sita no convento de São Francisco da cidade de Lisboa (14). A partir desta data são constantes as referências a obras suas, sendo de salientar aquela que em 1682 realizou para a igreja do antigo colégio jesuíta de Coimbra, dedicado às Onze Mil Virgens, actual sé da mesma cidade (15). A capela contratada foi dedicada a São Francisco Xavier, inaugurando uma colaboração com a Companhia de Jesus, que só conheceria o seu fim, precisamente, com o trabalho do altar de N.ª S.ª da Glória.
Volvidos dois anos encontramos o mestre a trabalhar no altar-mor da igreja de Santa Catarina de Monte Sinai, em Lisboa, encarregue de todo o labor de entalhe do mesmo. (16). Em 1688 referenciamo-lo envolvido no trabalho de obra de talha de dois retábulos na nave da igreja do convento da Encarnação de Lisboa das Comendadeiras de Avis (17), colaboração que retomará anos mais tarde, precisamente em 1697, quando as religiosas lhe encomendam a obra de molduras, ornatos de sobrejanelas e simalhas destinadas à nave da igreja (18).
A primeira obra de talha conhecida de Matias Rodrigues de Carvalho destinada à cidade de Santarém foi adjudicada a 9 de Fevereiro de 1693, tendo como intervenientes o vigário da igreja de Santiago da mesma vila e o mestre entalhador. O trabalho a ser executado seria o do retábulo-mor da referida igreja, exemplar infelizmente já desaparecido (19).
O ano de 1699 foi bastante profícuo em obras para o mestre Rodrigues de Carvalho. Registam-se pagamentos efectuados pela talha do coro da igreja do Hospital Real de Todos os Santos (20), o contrato para execução do retábulo-mor da igreja de São João Baptista do Lumiar, situado no então limite da cidade de Lisboa, (21) e a feitura das molduras que figurariam nas ilhargas da capela-mor (22).
Em 1701 volta a receber pagamentos provenientes do Hospital Real de Todos os Santos, desta feita pela obra de talha que fez nos arcazes da sacristia da igreja (23).
Em 1704, três anos passados, encontramo-lo a celebrar contrato para execução do retábulo-mor da igreja de Santa Justa de Lisboa, obra já desaparecida (24) e em 1705 é novamente requisitado para executar obra de talha, desta feita para o altar-mor da ermida de N.ª S.ª da Ajuda e Santos Fiéis de Deus, ao Bairro Alto (25). Em Janeiro do ano seguinte emite recibo no valor de noventa reis aos padres jesuítas do colégio de Santo Antão, como quitação do pagamento pela execução do trono eucarístico destinado ao retábulo-mor da sua igreja (26).
Como sabemos, em Outubro de 1709 contrata a feitura do retábulo de N.ª S.ª da Glória com os padres jesuítas de Santarém, no entanto, é acometido de doença grave que o deixa acamado e a 1 de Março de 1710 elabora testamento, no qual refere precisamente o seu debilitado estado de saúde e faz as suas últimas disposições “(…) eu Mathias Rodrigues de Carualho estando em meu prefeito Juizo e entendimento que Deos Nosso Senhor me deu estando doente em huma cama e temendo me da morte e dezejando por minha alma no caminho da saluação por não saber o que Deos Nosso Senhor de mim quer fazer e quando será seruido de me Leuar para Sj faco este testamento (…)” (27). Neste interessante documento, Matias Rodrigues de Carvalho refere que é natural de Valada, junto a Santarém, é casado e não tem filhos, e que deseja ser sepultado na igreja de S. Francisco da vila escalabitana, por pertencer à ordem terceira dos religiosos franciscanos.
Nesse ano confessa ter diversas obras em curso e outras finalizadas, entre elas contavam-se: o cadeiral do coro da sé de Lisboa; o altar de N.ª S.ª da Terra Solta na mesma sé; uma obra na sacristia do convento da Graça, em Lisboa; o altar de S. Miguel na igreja de N.ª S.ª da Encarnação, em Lisboa; uma obra na igreja de São Miguel de Alfama; a do retábulo-mor da igreja de São João da Talha e o trono do altar-mor da igreja do colégio de Santo Antão dos padres jesuítas de Lisboa.
Matias Rodrigues de Carvalho viria efectivamente a falecer na então vila de Santarém, pouco depois de ter ditado as suas últimas vontades, não antes sem salvaguardar que: “(…) tenho huma obra com o Padre Aluaro Machado da Companhia em o Colegio de Santarem a qual acabara Joseph Pereira Lobo de que tenho Recebido outenta mil reis e o mais que resta se dará para o meu funeral ao Reuerendo Bernardo Francisco Barreto ajustadas as contas com o dito Joseph Pereira Lobo a quem fica emcomendada a obra ultimamente (…)”.
Através da documentação disponível ficamos assim a saber que este retábulo de N.ª S.ª da Glória, começado por António Martins Calheiros e posteriormente ajustado com Matias Rodrigues de Carvalho, terá sido efectivamente finalizado pelo mestre entalhador José Pereira Lobo, possivelmente discípulo de Matias Rodrigues de Carvalho.
O novo ajuste notarial celebrado com Matias Rodrigues de Carvalho define contornos diferentes para a execução da obra deste altar. Desde logo, o que se pede ao mestre é que execute este à semelhança daquele que fez para a capela da irmandade de N.ª S.ª dos Agonizantes da igreja da casa professa de S. Roque. Não existe nenhuma menção ao retábulo fronteiro ao de N.ª S.ª da Glória como modelo, nem se refere nenhuma especificação mais. No que o anterior texto notarial tinha de eloquente e assertivo em relação à obra encomendada, este outro tem de breve e sucinto, pois nas suas cláusulas mais significativas refere apenas: “(...) e pelo mesmo rescunho e forma que elle fes na capella de N.ª S.ª dos Agonizantes da Caza Proffesa de São Roque desta dita cidade porque do mesmo modo e pelo mesmo rescunho fara esta de N.ª S.ª da Gloria pondo elle tudo o que for condusente ate com efeito ser acabada que se entendera ate o mes de Janeiro do anno proximo que uem de setecentos e des e a dita obra há de constar de capella e nicho da senhora e gloria de serafins e Anjos deixando o sacrario mais fora a façe da banqueta de pedra (...)” (28).
Apesar de sabermos que António Martins Calheiros não finalizou a obra para a qual foi contratado pelos padres inacianos de Santarém, ficou, no entanto, como lembrança da primeira encomenda e atestando o facto de que a mesma arrancou, a composição escultórica do remate, sendo que a talha do restante altar se compagina mais com aquela que efectivamente foi encomendada mais tarde a Matias Rodrigues de Carvalho.
Este segundo projecto dos padres jesuítas reservou 120.000 réis que seriam pagos ao mestre pela obra encomendada, a qual teria de estar pronta no mês de Janeiro de 1710.
Este retábulo de N.ª S.ª da Glória situa-se na nave do lado da Epístola. Partindo de uma base de embutidos marmóreos, a sua estrutura articula sobre predela, duplas colunas torsas intercaladas por pilastra. Nestas, observam-se espaços reservados à colocação de relíquias. O seu remate, em arco de volta plena, é preenchido por composição escultórica em médio relevo, figurando os vinte e quatro anciãos do Apocalipse com seus instrumentos musicais, como aliás se refere no contrato de obra, em adoração do Livro Sagrado. No intradorso do arco, entre nuvens, observam-se quatro bustos de anjos adultos em médio relevo, acompanhados por cabeças de anjos aladas.
Nota final
Os retábulos de talha que ainda hoje se preservam na sé de Santarém, outrora realizados com destino à igreja do colégio jesuíta da mesma cidade, reflectem um período áureo da arte da talha de produção portuguesa. Revelando-se no seu conjunto muito próximos em termos cronológicos, podem ser apresentados como um bom testemunho e exemplo da produção oficinal da escola de talha de Lisboa na viragem do século XVII. De facto, tendo sido todos executados possivelmente nos alvores do século dezoito, as suas afinidades são evidentes, demonstrando, no entanto, como para a mesma época, as soluções estruturais podiam ser diversas em consonância com o gosto do encomendador. Se tanto o altar de N.ª S.ª das Graças, como aquele dedicado a N.ª S.ª da Glória apresentam uma concepção mais classicizante e rígida da estrutura retabular e utilizam a ornamentação como contraponto a esse comprometimento estético, já os altares dedicados ao Sagrado Coração de Jesus e a N.ª S.ª da Conceição propõem outros níveis de leitura em que o dinamismo da estrutura, de forma côncava, cria um ponto de fuga central e a ornamentação exuberante, de forma simbiótica, reafirma a intenção primordial da peça: a atracção e a adesão incondicional do observador à mensagem veiculada.
De facto, nesta sé de Santarém, a talha demonstra a sua versatilidade de formas e conteúdos decorativos e iconográficos, que não necessitam de transitar de um estilo para outro para afirmarem a sempre possível novidade do traço e a consequente originalidade das diferentes peças produzidas em tempos coevos.
NOTAS
Estes retábulos, bem como todos os outros constantes desta antiga igreja do colégio jesuíta de Santarém, já foram alvo de análise por (Lameira, 2006; pp. 86-101). De igual forma, também nós já escrevemos sobre esta temática (Ferreira, 2010: pp. 406-413).
Veja-se a abordagem a este assunto no capítulo da autoria de Sandra Costa Saldanha.
Sobre a utilização preferencial de embutidos marmóreos nas igrejas da Companhia de Jesus em território nacional, cf. os estudos de (Coutinho, 2010: pp. 104-111). Cf. o texto da sua autoria inserido na presente obra.
ARQUIVO DISTRITAL DE SANTARÉM, Cartório Notarial de Santarém, Arquivo 3.º, L.º 14 de notas de Miguel Andrade Ferreira, fls. 129- 130 v.º. Cota gentilmente cedida por Vítor Serrão.
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A.D.S, Cartório Notarial de Santarém, Arquivo 3.º, L.º 14 de notas de Miguel Andrade Ferreira, fl. 130.
O beato Estanislau Kostka foi canonizado apenas em 1716 e será a partir dessa data que o seu altar mudará a invocação para São Estanislau Kostka.
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Cf. nota 9.
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BIBLIOGRAFIA
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Imagens propostas para além das escolhidas pela coordenação da publicação:
Altares de Nossa Senhora da Conceição e Sagrado Coração de Jesus: pormenores: ático com escudete; tritões nos painéis que ladeiam o sacrário, nichos centrais
Altar de Nossa Senhora das Graças: ático com figuras de meios-corpos e meninos sentados em fragmentos de arco; nicho com imagem da Senhora das Graças; serpentes nas colunas torsas e coelho na coluna esquerda do lado esquerdo do retábulo.
Altar de Nossa Senhora da Glória: ático com os reis músicos; sacrário; mísulas; painéis laterais com o Sol e a Lua
Nota Biográfica
Sílvia Ferreira é licenciada em Filosofia, mestre em História da Arte e recentemente concluiu o seu doutoramento em História na especialidade de Arte, Património e Restauro na Faculdade de Letras de Lisboa, com dissertação dedicada ao tema: A Talha Barroca de Lisboa (1670-1720). Os artistas e as obras. É membro integrado do Instituto de História da Arte da FCSH da Universidade Nova de Lisboa desde Janeiro de 2012. É consultora do projecto de estudo “GILT-Teller: um estudo interdisciplinar multi-escala das técnicas e dos materiais de douramento em Portugal, 1500-1800” (PTDC/EAT-EAT/116700/2010) da unidade de investigação REQUIMTE (Rede de Química e Tecnologia) - Laboratório Associado para a Química Verde da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia,.
No âmbito dos seus estudos sobre a arte da talha das oficinas de Lisboa tem participado em congressos, colóquios e outros encontros de carácter científico, dos quais têm resultado publicações. Para além da sua actividade principal, ligada ao estudo e divulgação do património de talha dourada de Lisboa e das áreas geográficas da sua influência, tem colaborado em vários projectos no âmbito mais vasto da história religiosa da época moderna. Nestes domínios é autora de diversas publicações, tanto colectivas como singulares.
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