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Os 90 anos de história do Itaú Unibanco - Época Negócios | Empresa
  • Marcela Bourroul
Atualizado em
Casa Moreira Salles - década de 30 (Foto: Espaço Memória Itaú Unibanco)

Casa Moreira Salles - década de 30 (Foto: Espaço Memória Itaú Unibanco)

Em 27 de setembro de 1924, um armazém em Poços de Caldas (MG), famoso na região pela cordialidade de seu atendimento, recebia autorização do governo federal para funcionar como seção bancária. Significava, na prática, que aquele estabelecimento passaria a representar oficialmente grandes bancos particulares e o Banco do Brasil na cidade, destino muito procurado pelas elites na época. O armazém chamava-se Casa Moreira Salles e era o embrião do que mais tarde se tornaria o Unibanco. Neste sábado, ele completa 90 anos.

A trajetória da instituição financeira e de seu par, o Itaú, a quem se uniu em 2008, conta partes relevantes da história brasileira e dela fizeram parte grandes personalidades do empresariado nacional. Mas é quase um tabu falar sobre isso em um país onde a relação dos cidadãos com seus bancos não é das melhores.

A interpretação mais comum é que eles pagam juros de menos para quem guarda o dinheiro e cobram juros demais de quem pega emprestado. Os lucros bilionários pouco contribuem para melhorar a imagem – parece que “eles” sempre levam vantagem sobre os clientes. Como explica Roberto Troster, ex-economista chefe da Federação Brasileira de Bancos, falta legitimidade. “Os lucros das instituições financeiras são vistos como abusivos. Não são os maiores lucros, nem a maior rentabilidade, mas a sociedade percebe que a contribuição dos bancos é fraca”, diz.

Não há como ignorar, porém, o que se tornou o maior banco privado do país. Em nove décadas, o Unibanco e o Itaú cresceram, mudaram algumas vezes de nome, fizeram fusões, aquisições, viveram o milagre econômico, a hiperinflação e o boom da classe média.

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Além disso, deixaram nomes importantes na história. A terceira geração das famílias fundadoras dos dois bancos, inclusive, permanece no poder. “São os últimos, além do Safra, da mais tradicional escola bancária brasileira. Nesse sentido, o que há de melhor em termos de banqueiros”, afirma Troster. “Aquele banqueiro empreendedor, que tinha ambição, que construía o banco, pensava para frente, não existe mais. Pessoas da família Setubal-Villela e Moreira Salles foram revolucionárias na sua época”.

Empreendedorismo
No caso do Unibanco, a empresa começa com o mineiro João Moreira Salles, avô de Pedro, atual presidente do conselho de administração do Itaú Unibanco. É ele quem comanda o armazém e, mais tarde, o Banco Moreira Salles, criado a partir da fusão com outras duas instituições bancárias em 1940.

A história do Itaú tem início em São Paulo, por iniciativa de Alfredo Egydio de Souza Aranha, que funda o Banco Central de Crédito em 1945. O nome Itaú só seria incorporado mais de 20 anos depois, com a aquisição do banco mineiro de mesmo nome.

João e Alfredo tiveram um papel fundamental na história de suas empresas. Mas a segunda geração não deixou a desejar em termos de empreendedorismo. De um lado, Walther Moreira Salles. Do outro, Olavo Setubal.

Walther Moreira Salles e Olavo Setubal (Foto: Espaço Memória Itaú Unibanco e Editora Globo)

Walther Moreira Salles e Olavo Setubal (Foto: Espaço Memória Itaú Unibanco e Editora Globo)

O primeiro assumiu a casa bancária ao lado do pai ainda jovem. Já com 21 anos, ele apostava no potencial do negócio e sua veia diplomática - mais tarde ele seria embaixador - permitiu concretizar vários acordos, especialmente nos anos iniciais. Além de sua atuação no banco e na política, ele também participou de outros empreendimentos nos setores de energia, metalurgia e celulose.

O segundo era sobrinho de Alfredo Egydio e não entrou de cara na empresa da família. Como recém-formado, Olavo usou 10 mil dólares que tinha recebido como presente de casamento e fundou a Deca com um amigo de infância e colega na Escola Politécnica, Renato Refinetti. A aventura bem-sucedida fez com que o tio o chamasse para arrumar a casa na Duratex, empresa que produzia chapas de fibra de madeira e da qual o banco era sócio. Depois de mostrar bons resultados por lá, ele assumiu como diretor-geral do banco, que nessa altura já tinha mudado o nome para Banco Federal de Crédito.

Crescimento
Cada um dos bancos cresceu na segunda metade do século 20 conquistando novos clientes, mas principalmente através de fusões e aquisições. De acordo com Israel Vainboim, que entrou no Unibanco há 45 anos, foi presidente e hoje faz parte do Conselho de Administração, o Itaú Unibanco foi a construção de uma empresa feita por algumas famílias num processo de consolidação do sistema financeiro. "Nossos fundadores começaram instituições financeiras pequenas, tiveram uma grande visão do Brasil, grande confiança no país. Foram, ao longo dos anos, aproveitando todas as oportunidades de consolidação que o mercado ofereceu”, afirma .

"Os fundadores foram, ao longo dos anos, aproveitando todas as oportunidades de consolidação que o mercado ofereceu"

Câmara Pestana, que foi presidente do Itaú antes de Roberto Setubal assumir o comando do banco, contou em depoimento ao Museu da Pessoa que nos primeiros anos no banco, Olavo Setubal fez uma revolução para modernizá-lo, exigindo inclusive que os funcionários que entrassem tivessem completado o ginásio (até a 8ª série). Depois, partiu para as fusões.

Ao fechar negócios, uma característica sua chamava a atenção. “Olavo sempre dizia que a grande qualidade dele era a de escolher homens. Ele aproveitava os melhores elementos em cada fusão ou incorporação. Não tinha caça às bruxas, ele aproveitava as pessoas”, conta Henri Penchas, também membro do Conselho do Itaú Unibanco. Ele é a prova viva: começou a trabalhar em 1968 no que se tornaria o Banco União Comercial, comprado em 1974 pelo Itaú. “E, não sei por quais informações que tinha do mercado, o doutor Olavo me entregou o contrato de compra do BUC que tinha sido feito com o Banco Central e me deu para executar o plano, tocar a implementação do contrato.”

Do lado dos Moreira Salles, a cordialidade, marca registrada do armazém no início do século, parece ter continuado por muitos anos. “Não sei se existe algum acionista mais educado do que os Moreira Salles. Pode ser que tenha alguém tão educado quanto, mas mais não tem. Às vezes, os acionistas vestem o uniforme de donos e tratam os executivos de forma inadequada, servil. No meu caso, o privilégio de trabalhar com os Moreira Salles sempre foi especial. O nível de autonomia, delegação e responsabilidade dado aos executivos era muito grande”, conta Vainboim. 

Inflação e estabilidade
Nessa fase de consolidação do sistema financeiro, os bancos brasileiros tiveram que enfrentar dois desafios. Inicialmente, a hiperinflação. Numa época em que o dinheiro chegou a se desvalorizar 80% ao mês, as empresas se adaptaram para proteger o patrimônio de quem tinha acesso ao sistema bancário. “Curiosamente, um grave problema forçou um desenvolvimento surpreendente do setor. Em geral, quando se tem uma inflação como no Brasil, a moeda doméstica deixa de existir. Mas fomos uma exceção. A moeda manteve-se em parte por causa da correção monetária e em parte porque os bancos foram capazes de investir em desenvolvimento tecnológico para a aplicação de recursos”, explica Marcos Lisboa, diretor do Insper e ex-vice-presidente do Itaú Unibanco.

"Em geral, quando se tem uma inflação como no Brasil, a moeda doméstica deixa de existir. Mas fomos uma exceção"

Essa tecnologia significava agilidade na hora de receber o dinheiro, transferir e fazer pagamentos evitando sua desvalorização. “Os bancos desenvolveram uma habilidade na proteção da poupança dos clientes que foi extraordinária. Somos um país continental. Poucos países têm um sistema financeiro que cobre um território como o nosso e nós investimos, desenvolvemos uma infraestrutura de teleprocessamento e transferência de fundos invejável”, afirma Vainboim.

Foi nessa época que Vainboim, então presidente, viveu um dos momentos mais difíceis da carreira: o Plano Collor. Do prédio do Unibanco na Avenida Nações Unidas, em São Paulo, ele olhava a Marginal Pinheiros completamente vazia. “Durante o dia, o Brasil inteiro me telefonava para pedir financiamento para folha de pagamento. Jamais um presidente de uma grande companhia ligava para o presidente do banco para conversar sobre a folha de pagamento. E a gente não sabia nem se teria dinheiro, não sabia nada, não sabia o que responder”.

O Itaú também viveu seus dilemas. Câmara conta dois episódios do final da década de 1980. O primeiro, de 1986, ano em que Olavo Setubal planejava concorrer ao governo de São Paulo. Com o Plano Cruzado, lançado em fevereiro, o banco demitiu funcionários porque não conseguia manter os quase 90 mil colaboradores naquele momento da economia. O sindicato reagiu. Eis que um dia, a cidade amanhece com vários cartazes com a foto do Itaú e os dizeres “banco de sangue”. O problema foi resolvido após uma conversa com um superintendente da prefeitura, que ouviu o problema e sugeriu que se colocasse por cima cartazes anunciando um circo que chegava à cidade. Assim foi feito. Logo depois, o banco anunciou um programa de desligamento voluntário.

O segundo é sobre o momento em que o Itaú não conseguia pagar créditos exigidos por correspondentes estrangeiros, porque o país tinha decretado a moratória. Como o Banco Central não liberava dólares, alguém deu a ideia de que o banco comprasse ouro para pagar o BC em troca de dólares. Por força da argumentação de Câmara, Olavo Setubal acabou convencido, comprou-se o ouro e o problema foi resolvido.

Fernando Henrique Cardoso apresenta as cédulas do real (Foto: Agência O Globo)

Fernando Henrique Cardoso apresenta as cédulas do real (Foto: Agência O Globo)

Quando é colocado em prática o Plano Real, começa um novo desafio. Quando já tinham se organizado para viver no ambiente hiperinflacionário, os bancos tiveram que aprender a ganhar dinheiro na estabilidade. “É como se um urso polar de repente fosse transferido para o Equador. E vários bancos não conseguiram se adaptar”, resume Lisboa.

+ Confira o especial sobre os 20 anos do Plano Real

Apesar das dificuldades que o sistema bancário enfrentou em meados da década de 1990, o momento trouxe algumas consequências positivas, como a consolidação e a solidificação do mercado, segundo Lisboa. Além disso, fortaleceu o sistema regulatório. “Tanto por parte dos bancos quanto por parte do regulador, não houve apenas um fortalecimento institucional como um aperfeiçoamento muito relevante das regras comerciais”, diz.

Para Fernão Bracher, fundador do BBA, que foi comprado pelo Itaú em 2002, o sistema bancário brasileiro “tem a ventura de ter colhido boas medidas de saneamento tomadas no passado, de sorte que, pode-se dizer que é um sistema sadio, eficiente e confiável”, características que se estenderiam ao Itaú Unibanco.

Foi também nessa época que grandes bancos estatais foram privatizados. Do ponto de vista de quem comprava, o negócio não era exatamente tranquilo. Apesar de adquirir agências e a carteira de clientes, eram bancos que não estavam saudáveis do ponto de vista financeiro.

Penchas, do Itaú, era o então responsável pela área de fusões e aquisições. A investida mais arriscada, segundo ele, foi a compra do Banerj, o primeiro banco estatal leiloado. “Imagina os riscos de ter greve no dia seguinte, movimentos políticos fortes contra a gente”. Depois, acabou participando da compra de outros estatais, como o Bemge. Ele também envolveu-se na compra de dois bancos relevantes na história do Itaú: o Banco Francês Brasileiro, de quem herdou a marca Personnalité, e o BBA, que já era uma instituição sólida e consolidada no segmento de atacado.

Do lado do Unibanco, concretiza-se a compra, em 1995, do Banco Nacional, da família Magalhães Pinto. As conversas começaram mais de um ano antes e partiram do princípio que os dois bancos estavam com boa saúde financeira. O Nacional já estava em situação delicada desde o Plano Cruzado e no ano da compra que ele sofreu a intervenção do Banco Central. Como as conversas já estavam avançadas, Pedro Moreira Salles continuou a negociação e o Unibanco acabou ficando com os ativos após a quebra. A operação o colocou entre os três maiores do país.

Fusão
Porém, mesmo tendo incorporado tantas instituições, cada um dos bancos manteve uma imagem muito particular. O Itaú era conhecido como o banco dos engenheiros e dos processos. O Unibanco era dos economistas e se destacava por seu foco nos clientes e maior flexibilidade. Mas isso não foi impedimento para a fusão em 2008. Pelo contrário.

“Nos anos 2000, os dois bancos estavam convergindo. O Unibanco querendo mais processos e controles sem perder as vantagens da flexibilidade e o Itaú se movendo para ser menos rígido e flexível na gestão de pessoas. A fusão acelerou esse processo. Ambos vinham de origens distintas e se dirigiam para o mesmo centro”, afirma Lisboa.

Roberto Setubal e Pedro Moreira Salles (Foto: Ricardo Corrêa/ Editora Globo)

Roberto Setubal e Pedro Moreira Salles (Foto: Ricardo Corrêa/ Editora Globo)

O curioso é que a história poderia ter sido completamente diferente. Em 1972, o Unibanco e o Bradesco anunciaram que fariam uma fusão. O negócio nunca se concretizou, acredita-se porque foi impossível conciliar as culturas. Apesar das diferente vocações do Itaú e do Unibanco, segundo Penchas, “a formação do pessoal era muito semelhante. Era mais fácil do ponto de vista sociocultural fazer essa operação”.

Outro fato curioso é que a união de 2008 poderia ter acontecido dez anos antes. “Quando surgiu a oportunidade de privatização do Banespa, lembro de ter ido conversar com Israel [Vainboim]: porque a gente não fazia juntos a aquisição do Banespa? Eu achava que o risco para alguém sozinho era muito grande e que em dois a gente poderia tirar muita sinergia disso. Podia ser o início de um namoro para logo depois juntar o backoffice dos três bancos com ganhos astronômicos. Não deu na época, as famílias controladoras não estavam preparadas, o assunto morreu. Mas a ideia de fazer algo com o Unibanco continuava”, conta Penchas. O Banespa acabou adquirido pelo Santander.

Vainboim e Penchas, amigos de longa data, voltaram ao assunto na época da fusão. “A semente ficou num vasinho, a gente regava mas ela não crescia. E essas coisas tem um momento que ou dá o clique ou não dá. E deu. Por isso que [o anúncio da fusão] foi feito rápido, porque foi mastigado com antecedência. Foi feito de fato em uma semana, mas é um negócio que foi amadurecendo. Demorou 10 anos o processo todo”, afirma Vainboim.

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Foi em sua casa que aconteceram os discretos encontros entre Pedro Moreira Salles e Roberto Setubal para acertar os termos da operação. Apesar de os dois morarem em prédios quase vizinhos, eles temiam que a presença de um na casa do outro despertasse a curiosidade e rumores entre os vizinhos, muitos deles do mercado financeiro. Com o QG instalado na casa de Vainboim, conseguiram segurar a notícia até o momento que lhes fosse mais conveniente. O resto é história.

Desafios
Cinco anos após a criação do Itaú Unibanco, a situação leva a crer que as coisas vão muito bem, obrigada. Os resultados no balanço são positivos, a expansão internacional, anunciada como meta em 2008, parece estar caminhando, e a divisão de poderes entre Pedro Moreira Salles e Roberto Setubal, que comandavam os bancos antes da fusão, deu certo. Além disso, a empresa conseguiu superar o desafio de estrutura e recursos humanos que a junção de dois bancos gigantes impõe.

“Passado esse tempo, deu mais certo e foi mais fácil do que a gente imaginava. A implementação que o Roberto deu ao processo, a presença cuidadosa do Pedro, não interferindo na execução, e o cuidado para preservar as coisas que as duas companhias tinham, criou uma cultura que é uma mescla”, opina Vainboim.

Ao que tudo indica, serão três os desafios que a empresa terá nos próximos anos. O primeiro é consolidar essa terceira cultura do banco. “Acho que a gente quer um banco mais voltado para clientes, que preserve todas as boas características do Itaú e do Unibanco e sem os defeitos que os dois tinham”, diz o ex-presidente do Unibanco.

"A gente quer preservar todas as boas características do Itaú e do Unibanco e sem os defeitos que os dois tinham"

O segundo é o processo de sucessão. Roberto Setubal, que já adiou sua saída, tem em tese que deixar a presidência no início de 2017. O próximo a ocupar o cargo não está definido. Entre os nomes mais citados no mercado, estão o de Candido Bracher, presidente do Itaú BBA e Ricardo Villela Marino, vice-presidente e filho de Milú Villela.

Por fim, segundo Roberto Troster e Marcos Lisboa, está o desafio que menos depende da vontade dos bancos e recai sobre todas as instituições financeiras: enfrentar um ambiente de negócios que precisa de ajustes. “Tem uma série de fatores, as regras, o compulsório, a tributação, que tornam o sistema como um todo muito ineficiente”, afirma Troster.

Já Lisboa destaca o ambiente que encarece – e limita - as operações de crédito. “O que a gente tem aprendido no Brasil desde a estabilização é como pequenos ajustes no ambiente institucional, nas normas legais, podem ter impacto relevante pra redução do custo de operações de crédito para todo mundo. Taxas menores, prazos maiores, maior segurança no sistema como um todo. Nós avançamos, mas ainda tem longa agenda para avançar mais.”