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Miguelzinho Dutra: traços e troças da Itu oitocentista | Itu.com.br

Colunistas

Publicado: Sexta-feira, 26 de agosto de 2005

Miguelzinho Dutra: traços e troças da Itu oitocentista

Miguel Arcanjo Benício da Assunção Dutra (1810 - 1875) exerceu múltiplas atividades artísticas. O seu campo de interesse ia da escultura à música, da poesia à pintura.

Foto: Santa Casa de Misericórdia - 1847

Uma parte significativa da sua obra, considerada pelo escritor e crítico Mário de Andrade como de enorme importância iconográfica, pertence hoje ao acervo do Museu Republicano "Convenção de Itu" - Museu Paulista da Universidade de São Paulo. A coleção é composta de setenta e três aquarelas sobre papel.

Mais conhecido como Miguelzinho Dutra, ele executou entre 1835 e 1855 numerosas aquarelas retratando cidades, igrejas, fazendas, tipos humanos de todas as classes sociais e cenas de rua comuns na vida provinciana de seu tempo.

Foto: Pedreira do Varvito - 1841

Pode-se dizer que a sua obra é fruto de uma tradição regional bem caracterizada, na qual um realismo espontâneo e original aparece entrelaçado com soluções formais tradicionalmente barrocas. O historiador e jornalista Mário Neme, que dirigiu o Museu Paulista na década de 1960, gostava de se referir a Miguelzinho Dutra como o "patriarca da iconografia paulista".

Uma linha cultural própria, caipira, levou-o a focalizar tipos populares amestiçados e festas tradicionais, como a Festa do Divino.

Foto: Largo São Francisco - 1845

Desenhou também cidades (Itu e Jundiaí) e paisagens dos campos e arredores de Itu. O desenho primoroso pode até parecer ingênuo na reprodução do espaço, mas é admirável no traço e na composição. Através de suas aquarelas ele narra e contempla sua época, faz troças da sua Itu, cidade provinciana e modorrenta e ao mesmo tempo adiantada culturalmente em relação ao mundo caipira em sua volta.

Miguelzinho Dutra retratou postumamente o famoso capitão-mor ituano Vicente da Costa Taques Góes e Aranha. Ele ocupava o posto desde 1799 e era o tipo acabado do velho capitão-mor.

O historiador Afonso de Taunay disse que se tratada de homem inteligente e ilustrado, bom latinista e dado a escrever poesias.

Foto: Capitão-mor - Vicente Taques

"A seu respeito correm anedotas numerosas e pitorescas relativas à extraordinária ciosidade de seus atributos de autoridade". Quando o príncipe regente D. Pedro esteve em São Paulo, em agosto de 1822, Vicente Taques correu ao encontro de Sua Alteza. Apresentou-se no Palácio do Governo trajado de grande gala, envergando um vistoso fardão vermelho, casaca de rabo e calção, meias brancas, sapatos de fivela, penteado com grande cabeleira de rabicho e empunhando o bastão simbólico de seu "capitanato".

A sua aparência exótica causou a maior surpresa e curiosidade. O príncipe regente, mocinho ainda, soltou enorme gargalhada.

Afonso de Taunay perguntou, ao escrever sobre o caso, qual não teria sido o espanto doloroso do capitão-mor, vendo o objeto de seu amor cívico encarnar-se no moço que lhe não respeitou o fardão vermelho. A tradição conta que, ao ouvir a gargalhada do príncipe e de seus acólitos, Vicente Taques ficou perturbado.

Foto: Bandeira do Divino

Depois de uns minutos, recobrou a calma. Deu uns passos para traz, aprumou-se e disse: "Com esta mesma farda de que Vossa Alteza Real mofa servi ao augusto pai e aos augustos avós de Vossa Alteza Real". Vicente Taques fez nova reverência e afastou-se com altivez. Ato contínuo, D. Pedro chamou-o novamente e achou um jeito de se desculpar. Decerto as desculpas foram sinceras, pois a 1º. de dezembro de 1822 um decreto imperial concedia a Vicente Taques as honras de Cavalheiro da Ordem de Cristo. O velho capitão-mor morreu a 12 de outubro de 1825.

Na coleção de obras de Miguelzinho Dutra que pertence ao acervo do Museu Republicano existe a série que Taunay chamou de Tipos Humanos.

Foto: Tipo humano - 1841

Desta série constam, além do capitão-mor Vicente da Costa Taques Góes e Aranha, as seguintes aquarelas: Cego guiado por um preto, José Veloso, José Cabeça (conhecido com o nome de Padre), Janota, Figura com Chapéu, Comendador de Cristo, Tipo Humano (1841), Pedinchão (Tirador de esmolas), Cego com criança, Padre Elias do Monte Carmelo, Morte do padre Elias do Monte Carmelo, assistida por seus dois filhos, e Frei Idelfonso Xavier.

Algumas décadas depois da morte de Miguelzinho Dutra, um seu conterrâneo descreveria para um jornal local as mesmas cenas e tipos humanos que setenta anos antes tinham sensibilizado o patriarca da iconografia paulista: "Para mim, é nas habitações, nas ruas, nos passeios, nos mercados [ ], em toda a parte, enfim, onde aparece um nhô Felix apregoando este ou aquele espetáculo; um humilde tirador de esmolas para este ou aquele santo, revestido da sua opa, que o 'museu' vive com todo o esplendor do seu colorido" .

Foto: Pedinchão (tirador de esmolas)

Com o título Museu Humano este texto saiu publicado no jornal ituano República, de 29 de maio de 1906. O autor identificou-se simplesmente com um "G." Na década de 1940 Afonso de Taunay reproduziu-o à mão num painel, que foi exposto ao lado das aquarelas de Miguelzinho Dutra no Museu Republicano "Convenção de Itu".

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