Entrevistador : Nilo Sérgio Gomes
O presidente Fernando Henrique Cardoso é o legítimo representante dos ditames do sistema financeiro internacional, obedecendo a um comando alienígena. É o que pensa Enéas Carneiro, candidato do Partido da Reedificação Nacional (Prona) à Presidência da República. Para "restaurar a ordem" no País ele diz que defenderá em seu programa político a triplicação do efetivo das Forças Armadas. "Se hoje são pouco mais de 300 mil, em meu governo serão um milhão!", afirma, prometendo que, se eleito, irá interromper o pagamento das dívidas interna e externa. Nascido no Acre mas registrado em Belém do Pará, quando já tinha nove anos de idade, Enéas, hoje com 59, será pela terceira vez candidato à Presidência da República. Seu cacife eleitoral não é desprezível. Em 1989, com 15 segundo nos programas eleitorais, obteve 300 mil votos. Cinco anos depois, concorrendo com Fernando Henrique (PSDB), Lula (PT), Brizola (PDT) e Orestes Quércia (PMDB), chegou a um surpreendente terceiro lugar, abocanhando quase cinco milhões de votos. Por isso, o Enéas que se prepara para a próxima campanha está cheio de entusiasmo, que não é abalado nem pela dissolução do seu segundo casamento, decorrente dos "excessos da vida política". Um assunto que ele não gosta de tocar. "Deus me deu o dom de falar e ser ouvido. Então vou apresentar-me em holocausto", diz o candidato do Proma, professor de cardiologia no Rio e em São Paulo, que faz questão de afirmar não ser um político profissional.
TRIBUNA DA IMPRENSA - O que pretende sua
candidatura e o que a diferencia das duas anteriores?
ENÉAS CARNEIRO - Estou mais preparado.
O processo inicial que me levou a participar do pleito é o mesmo.
Eu continuo com o mesmo grau de indignação, que é
o sentimento fundamental que me levou a isso tudo, sendo que esta indignação
está maior.
TRIBUNA DA IMPRENSA - Qual o programa político
que o sr. defende?
ENÉAS CARNEIRO - O cunho é
o mesmo: nacionalista. É a defesa do interesse nacional, do Estado
nacional soberano. Está cada vez mais claro e indiscutível
que a soberania da Nação brasileira está ameaçada.
O que começou a ocorrer em 1989, com a ascensão do presidente
Collor, hoje já não é mais uma previsão como
era naquela ocasião, é um fato: o esfacelamento da Nação,
a passos muito rápidos, a destruição do parque industrial,
a impossibilidade dos pequenos e médios agricultores competirem
face à abertura indiscriminada do mercado, e, ao lado disso, a falta
de amor à Pátria, de respeito com o que é nosso.
TRIBUNA DA IMPRENSA - Do seu ponto de vista,
o que há de errado com a economia brasileira no governo Fernando
Henrique Cardoso?
ENÉAS CARNEIRO - O presidente Fernando
Henrique Cardoso é o representante legítimo do Consenso de
Washington, dos ditames traçados pelo sistema financeiro internacional,
através do qual, em um processo maquiavélico, as nações
emergentes e periféricas vão sendo dominadas por uma verdadeira
tropa de ocupação, formada por equipes de economistas que
traçam os rumos da política econômica, que consiste
no seguinte: o modelo de desenvolvimento dessas nações deve
ser dependente. Devemos copiar e trazer para cá tudo aquilo que
se faz no exterior. Devemos nos transformar em país revendedor.
Essa é a tese. Devemos atrair capitais externos, mesmo pagando juros
extorsivos. Quando o presidente Fernando Henrique assumiu, a dívida
mobiliária estava em torno de US$ 50 bilhões. Venderam-se
estatais, a última a Vale, e estamos com uma dívida mobiliária
em torno de US$ 200 bilhões. Não há nada em particular
contra o presidente Fernando Henrique, apenas que ele obedece a um comando
alienígina.
TRIBUNA DA IMPRENSA - Quais são
as suas propostas para o problema das dívidas?
ENÉAS CARNEIRO - Se a palavra moratória
incomoda, procuremos um sinônimo qualquer, até um eufemismo,
mas paremos de pagar a dívida. Não há solução.
A análise da dívida externa mostrará que ela não
existe. Então, o que um governo nosso fará? Vamos parar de
pagar a dívida e fazer um balanço da situação.
TRIBUNA DA IMPRENSA - E quanto às
privatizações?
ENÉAS CARNEIRO - Todas têm
que parar porque elas não levam a absolutamente nada. São
apenas a destruição daquilo que foi construído com
sacrifício colossal pela sociedade. Entregar o sistema de telecomunicações
para a iniciativa privada parece até bonito. Só que é
a iniciativa privada com um ou outro cidadão, que são apenas
testas-de-ferro dos interesses alienígenas, tal como ocorreu com
a Vale do Rio Doce, em que por trás do processo está a figura
do Sr. George Soros, megaespeculador, e, não posso provar, mas há
informes internacionais que o apresentam como ligado ao narcotráfico.
Em nosso governo, o processo de privatização pára,
é detido instantaneamente, e procuraremos o apoio de figuras exponenciais
no cenário jurídico para que todas as nossas estatais que
foram privatizadas voltem às mãos do Estado soberano brasileiro.
E perguntarão: de onde virão os recursos para pagar? Receberão
da mesma forma que nos pagaram. Pagaram sem investir praticamente nada,
e elas voltarão sem que a gente invista praticamente nada. O que
valeu para a compra, como as moedas podres, vai valer para a venda.
TRIBUNA DA IMPRENSA - Por que, na sua opinião,
o governo FHC continua com prestígio nas pesquisas, apesar de todos
esses males?
ENÉAS CARNEIRO - A população
não tem acesso à verdade, nem à leitura. O grande
meio de comunicação de massa é a televisão.
Esses temas que estão sendo apresentados aqui só são
apresentados na televisão sob um outro enfoque: o de que o Estado
tem que ser mínimo e que ele é ineficiente. Isso começou
com o Sr. Collor. Então, a população reage achando
que estatal é cabide de emprego, e por isso tem de fechar, entregar
às multinacionais que têm gente competente. A conscientização
é muito difícil, a não ser através da cadeia
nacional de rádio e televisão, que é o único
elemento que dispomos, numa campanha presidencial, para falar com a população.
Através da imprensa escrita é quase impossível chegar
lá. Há toda uma restrição, não só
a mim mas a qualquer pessoa que se levante contra esse modelo de destruição
do Estado brasileiro, nacional e soberano. E por que isso? A tese que esses
senhores defendem é que o Estado não serve para nada, deve
acabar, ser uma instituição de assistência médica
e social. Eles fazem com que a população não veja
que o Estado é, por excelência, a instituição
para defender o homem, o cidadão comum. O homem rico não
precisa do Estado. Mas o homem comum, que é a grande maioria da
população, se não tiver o Estado vai recorrer a quem?
A segurança da Pátria é dada por quem? Pelas Forças
Armadas. E são elas alvo de desmoralização, de destruição,
e a cada instante vítimas de um processo de esfacelamento, que é
progressivo. A nosso ver, o caminho é o da conscientização.
A não ser através de um processo revolucionário, que
não é o que estamos pregando. Pregamos o processo pelo voto,
constitucional, e acreditamos que conseguiremos, haja vista a ascensão
que tivemos em dois pleitos.
TRIBUNA DA IMPRENSA - O senhor está
propondo aumentar o efetivo das Forças Armadas. Por que?
ENÉAS CARNEIRO - O que defendo
é triplicar-se o efetivo, no mínimo. E para quê? Para
ter, sem dúvida, um braço armado do povo. Sem as Forças
Armadas, como é que uma Nação se defende de qualquer
tentativa de invasão de seu território? Lembremos, há
pouco tempo, do caso Kwait, Irã e Iraque. Quem garante que se nós
nos levantarmos não seremos alvo de uma tentativa de intervenção?
O fortalecimento das Forças Armadas não é para invadir
território nenhum, mesmo porque não precisamos. Queremos
apenas proteger o nosso território, ter as condições
mínimas de defesa, que hoje não temos. Não há
nenhuma pretensão bélica.
TRIBUNA DA IMPRENSA - Um aumento do efetivo
das Forças Armadas pode servir, em um segundo momento, para subjugar
o próprio povo. O que o senhor acha disso?
ENÉAS CARNEIRO - O respeito às
Forças Armadas sempre foi uma tônica não só
da nossa população como a de todos os países. Eu fui
militar oito anos, e me orgulho disso. O curto período em que os
generais dirigiram o País, com um governo muito ruim, agigantou
o fosso que existia entre o Brasil e as potências do atual G-7. Por
causa desse fenômeno, toda a imprensa - e é natural pois esteve
com seus direitos cerceados naquela época - e aqueles que refletem
o que está escrito nos jornais - as classes média e média
alta - passaram a olhar para as Forças Armadas com esse preconceito.
As Forças Armadas não existem para se voltar contra o povo.
É o contrário: existem para a defesa do povo e do território
da nação a que esse povo pertence. Não pretendemos
um governo militar. Pretendemos um governo forte, em que se faça
respeitar a autoridade que hoje não existe mais em nenhum nivel,
em que exista ordem no País e não essa desordem econômica,
financeira e moral. Pretendo dirigir um governo em que exista respeito
de um cidadão pelo outro, e em que o Estado brasileiro possa ser
soberano. Não vejo de que maneira isso possa representar alguma
coisa que inspire medo, e nem acredito que a maioria da população
pense assim.
TRIBUNA DA IMPRENSA - Qual a sua opinião
sobre o governo Fujimori, do Peru?
ENÉAS CARNEIRO - A atitude discricionária
do sr. Fujimori, fechando o Congresso, a mim impressionou de modo muito
ruim. O sr. Fujimori é também um representante legítimo
do sistema financeiro internacional. Não vejo razão alguma
para fechar o Congresso. Não entendo como o Congresso vá
apresentar teses contrárias ao líder máximo da Nação,
eleito. É o presidente da República a figura máxima
que representa a Nação. No espírito de um homem simples,
o presidente da República é a esperança. E penso igualzinho
a ele: o presidente da República, se quiser, muda o País.
Então, o Congresso não vai ter nada contra mim porque tão
logo eu seja eleito o Congresso já sabe que vai mudar tudo.
TRIBUNA DA IMPRENSA - Mas o sr. dependerá
de matérias aprovadas no Congresso? Como conseguirá se não
tiver a maioria?
ENÉAS CARNEIRO - Nós, do
Prona, temos um representante hoje, no Congresso, não sei quantos
teremos depois. Se fosse a maioria o importante, quando Collor foi eleito
não teria feito o confisco, que é inconstitucional. E, no
entanto, o Congresso todo se curvou. Quando os resultados forem favoráveis
a nós, acredito que a corrida será natural para o nosso lado,
como tem sido sempre. O poder efetivo atrai as pessoas. É normal.
É preciso vacinar-se contra isso, como eu me vacinei. Em 1989, escrevi
um documento dizendo que não seria candidato a nenhum outro cargo.
Se eu quisesse, é notório para qualquer um, seria deputado
em qualquer estado, do Acre ao Rio Grande do Sul. E eu não o quis
porque o deputado federal não tem força para mudar. Já
o presidente da República pode, se assim o quiser. O poder dele
é monocrático, ele tem um grande poder. É assim que
eu vejo, não é fechando o Congresso, o que não tem
sentido nenhum.
Na hipótese de um segundo turno,
com Lula enfrentando o atual presidente, com quem o sr. fica?
Neste cenário eu estou fora. Não
há a menor possibilidade. Tanto um quanto o outro representam o
que de pior pode existir no estágio atual em que o Brasil se encontra.
Se fosse o sr. Brizola, eu ainda teria a opção por ele, que
tem todo um passado nacionalista.
TRIBUNA DA IMPRENSA - Qual a sua restrição
ao candidato Luiz Inácio?
ENÉAS CARNEIRO - Em 1992, o sr.
Luiz Inácio assinou o Diálogo Interamericano, documento básico
do qual saiu tudo o que está acontecendo, com a submissão
dos países da América Latina à política que
emerge do G-7. O Diálogo tem vários fundadores, entre eles,
o Sr. Fernando Henrique. Qual não é nossa surpresa quando
vimos a assinatura do Sr. Luiz Inácio. Ele é a mesma coisa,
com um pouco mais de desordem porque, no caso do Sr. Luiz Inácio,
há uma ignorância giganteca das grandes questões.
TRIBUNA DA IMPRENSA - E a possibilidade
do ex-presidente Itamar Franco?
ENÉAS CARNEIRO - Por que não
acredito no sr. Itamar? Porque ele foi presidente e permitiu que a Usiminas
fosse privatizada. Ao assinar o documento a partir do qual se implantaria
o Plano Real, por sugestão do seu ministro da Fazenda, ele permitiu
que naquela ocasião as taxas de juros fossem para 8,13% ao mês,
o que é um absurdo. Naquele momento, a maior taxa de juros era de
7% ao ano. Como é que eu posso atrelar-me a uma candidatura como
essa.
TRIBUNA DA IMPRENSA - Qual o perfil ideológico
do candidato Enéas Carneiro?
ENÉAS CARNEIRO - Uma palavra só:
nacionalista. Nós defendemos a iniciativa privada, queremos dar
um empurrão gigantesco na indústria nacional. Precisamos
que o nosso industrrial possa sobreviver e não se transformar, pouco
a pouco, em revendedor de produto estrangeiro. Quero que o nosso agricultor
possa produzir, e não, como agora, a gente tendo de importar feijão.
O velho conceito da esquerda está acabado. Mas também o que
está aí à direita, que hoje está assimilada
ao modelo neoliberal especulativo, não queremos mesmo. Por isso,
não há como definir esse novo modelo: somos nacionalistas,
defendemos a iniciativa privada, o industrial, a agricultura, todo mundo
que quiser produzir.