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Entrevista - Tribuna da Imprensa
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JORNAL TRIBUNA DA IMPRENSA 09-02-98

Entrevistador : Nilo Sérgio Gomes

O presidente Fernando Henrique Cardoso é o legítimo representante dos ditames do sistema financeiro internacional, obedecendo a um comando alienígena. É o que pensa Enéas Carneiro, candidato do Partido da Reedificação Nacional (Prona) à Presidência da República. Para "restaurar a ordem" no País ele diz que defenderá em seu programa político a triplicação do efetivo das Forças Armadas. "Se hoje são pouco mais de 300 mil, em meu governo serão um milhão!", afirma, prometendo que, se eleito, irá interromper o pagamento das dívidas interna e externa. Nascido no Acre mas registrado em Belém do Pará, quando já tinha nove anos de idade, Enéas, hoje com 59, será pela terceira vez candidato à Presidência da República. Seu cacife eleitoral não é desprezível. Em 1989, com 15 segundo nos programas eleitorais, obteve 300 mil votos. Cinco anos depois, concorrendo com Fernando Henrique (PSDB), Lula (PT), Brizola (PDT) e Orestes Quércia (PMDB), chegou a um surpreendente terceiro lugar, abocanhando quase cinco milhões de votos. Por isso, o Enéas que se prepara para a próxima campanha está cheio de entusiasmo, que não é abalado nem pela dissolução do seu segundo casamento, decorrente dos "excessos da vida política". Um assunto que ele não gosta de tocar. "Deus me deu o dom de falar e ser ouvido. Então vou apresentar-me em holocausto", diz o candidato do Proma, professor de cardiologia no Rio e em São Paulo, que faz questão de afirmar não ser um político profissional.

TRIBUNA DA IMPRENSA - O que pretende sua candidatura e o que a diferencia das duas anteriores?
ENÉAS CARNEIRO - Estou mais preparado. O processo inicial que me levou a participar do pleito é o mesmo. Eu continuo com o mesmo grau de indignação, que é o sentimento fundamental que me levou a isso tudo, sendo que esta indignação está maior.

TRIBUNA DA IMPRENSA - Qual o programa político que o sr. defende?
ENÉAS CARNEIRO - O cunho é o mesmo: nacionalista. É a defesa do interesse nacional, do Estado nacional soberano. Está cada vez mais claro e indiscutível que a soberania da Nação brasileira está ameaçada. O que começou a ocorrer em 1989, com a ascensão do presidente Collor, hoje já não é mais uma previsão como era naquela ocasião, é um fato: o esfacelamento da Nação, a passos muito rápidos, a destruição do parque industrial, a impossibilidade dos pequenos e médios agricultores competirem face à abertura indiscriminada do mercado, e, ao lado disso, a falta de amor à Pátria, de respeito com o que é nosso.

TRIBUNA DA IMPRENSA - Do seu ponto de vista, o que há de errado com a economia brasileira no governo Fernando Henrique Cardoso?
ENÉAS CARNEIRO - O presidente Fernando Henrique Cardoso é o representante legítimo do Consenso de Washington, dos ditames traçados pelo sistema financeiro internacional, através do qual, em um processo maquiavélico, as nações emergentes e periféricas vão sendo dominadas por uma verdadeira tropa de ocupação, formada por equipes de economistas que traçam os rumos da política econômica, que consiste no seguinte: o modelo de desenvolvimento dessas nações deve ser dependente. Devemos copiar e trazer para cá tudo aquilo que se faz no exterior. Devemos nos transformar em país revendedor. Essa é a tese. Devemos atrair capitais externos, mesmo pagando juros extorsivos. Quando o presidente Fernando Henrique assumiu, a dívida mobiliária estava em torno de US$ 50 bilhões. Venderam-se estatais, a última a Vale, e estamos com uma dívida mobiliária em torno de US$ 200 bilhões. Não há nada em particular contra o presidente Fernando Henrique, apenas que ele obedece a um comando alienígina.

TRIBUNA DA IMPRENSA - Quais são as suas propostas para o problema das dívidas?
ENÉAS CARNEIRO - Se a palavra moratória incomoda, procuremos um sinônimo qualquer, até um eufemismo, mas paremos de pagar a dívida. Não há solução. A análise da dívida externa mostrará que ela não existe. Então, o que um governo nosso fará? Vamos parar de pagar a dívida e fazer um balanço da situação.

TRIBUNA DA IMPRENSA - E quanto às privatizações?
ENÉAS CARNEIRO - Todas têm que parar porque elas não levam a absolutamente nada. São apenas a destruição daquilo que foi construído com sacrifício colossal pela sociedade. Entregar o sistema de telecomunicações para a iniciativa privada parece até bonito. Só que é a iniciativa privada com um ou outro cidadão, que são apenas testas-de-ferro dos interesses alienígenas, tal como ocorreu com a Vale do Rio Doce, em que por trás do processo está a figura do Sr. George Soros, megaespeculador, e, não posso provar, mas há informes internacionais que o apresentam como ligado ao narcotráfico. Em nosso governo, o processo de privatização pára, é detido instantaneamente, e procuraremos o apoio de figuras exponenciais no cenário jurídico para que todas as nossas estatais que foram privatizadas voltem às mãos do Estado soberano brasileiro. E perguntarão: de onde virão os recursos para pagar? Receberão da mesma forma que nos pagaram. Pagaram sem investir praticamente nada, e elas voltarão sem que a gente invista praticamente nada. O que valeu para a compra, como as moedas podres, vai valer para a venda.

TRIBUNA DA IMPRENSA - Por que, na sua opinião, o governo FHC continua com prestígio nas pesquisas, apesar de todos esses males?
ENÉAS CARNEIRO - A população não tem acesso à verdade, nem à leitura. O grande meio de comunicação de massa é a televisão. Esses temas que estão sendo apresentados aqui só são apresentados na televisão sob um outro enfoque: o de que o Estado tem que ser mínimo e que ele é ineficiente. Isso começou com o Sr. Collor. Então, a população reage achando que estatal é cabide de emprego, e por isso tem de fechar, entregar às multinacionais que têm gente competente. A conscientização é muito difícil, a não ser através da cadeia nacional de rádio e televisão, que é o único elemento que dispomos, numa campanha presidencial, para falar com a população. Através da imprensa escrita é quase impossível chegar lá. Há toda uma restrição, não só a mim mas a qualquer pessoa que se levante contra esse modelo de destruição do Estado brasileiro, nacional e soberano. E por que isso? A tese que esses senhores defendem é que o Estado não serve para nada, deve acabar, ser uma instituição de assistência médica e social. Eles fazem com que a população não veja que o Estado é, por excelência, a instituição para defender o homem, o cidadão comum. O homem rico não precisa do Estado. Mas o homem comum, que é a grande maioria da população, se não tiver o Estado vai recorrer a quem? A segurança da Pátria é dada por quem? Pelas Forças Armadas. E são elas alvo de desmoralização, de destruição, e a cada instante vítimas de um processo de esfacelamento, que é progressivo. A nosso ver, o caminho é o da conscientização. A não ser através de um processo revolucionário, que não é o que estamos pregando. Pregamos o processo pelo voto, constitucional, e acreditamos que conseguiremos, haja vista a ascensão que tivemos em dois pleitos.

TRIBUNA DA IMPRENSA - O senhor está propondo aumentar o efetivo das Forças Armadas. Por que?
ENÉAS CARNEIRO - O que defendo é triplicar-se o efetivo, no mínimo. E para quê? Para ter, sem dúvida, um braço armado do povo. Sem as Forças Armadas, como é que uma Nação se defende de qualquer tentativa de invasão de seu território? Lembremos, há pouco tempo, do caso Kwait, Irã e Iraque. Quem garante que se nós nos levantarmos não seremos alvo de uma tentativa de intervenção? O fortalecimento das Forças Armadas não é para invadir território nenhum, mesmo porque não precisamos. Queremos apenas proteger o nosso território, ter as condições mínimas de defesa, que hoje não temos. Não há nenhuma pretensão bélica.

TRIBUNA DA IMPRENSA - Um aumento do efetivo das Forças Armadas pode servir, em um segundo momento, para subjugar o próprio povo. O que o senhor acha disso?
ENÉAS CARNEIRO - O respeito às Forças Armadas sempre foi uma tônica não só da nossa população como a de todos os países. Eu fui militar oito anos, e me orgulho disso. O curto período em que os generais dirigiram o País, com um governo muito ruim, agigantou o fosso que existia entre o Brasil e as potências do atual G-7. Por causa desse fenômeno, toda a imprensa - e é natural pois esteve com seus direitos cerceados naquela época - e aqueles que refletem o que está escrito nos jornais - as classes média e média alta - passaram a olhar para as Forças Armadas com esse preconceito. As Forças Armadas não existem para se voltar contra o povo. É o contrário: existem para a defesa do povo e do território da nação a que esse povo pertence. Não pretendemos um governo militar. Pretendemos um governo forte, em que se faça respeitar a autoridade que hoje não existe mais em nenhum nivel, em que exista ordem no País e não essa desordem econômica, financeira e moral. Pretendo dirigir um governo em que exista respeito de um cidadão pelo outro, e em que o Estado brasileiro possa ser soberano. Não vejo de que maneira isso possa representar alguma coisa que inspire medo, e nem acredito que a maioria da população pense assim.

TRIBUNA DA IMPRENSA - Qual a sua opinião sobre o governo Fujimori, do Peru?
ENÉAS CARNEIRO - A atitude discricionária do sr. Fujimori, fechando o Congresso, a mim impressionou de modo muito ruim. O sr. Fujimori é também um representante legítimo do sistema financeiro internacional. Não vejo razão alguma para fechar o Congresso. Não entendo como o Congresso vá apresentar teses contrárias ao líder máximo da Nação, eleito. É o presidente da República a figura máxima que representa a Nação. No espírito de um homem simples, o presidente da República é a esperança. E penso igualzinho a ele: o presidente da República, se quiser, muda o País. Então, o Congresso não vai ter nada contra mim porque tão logo eu seja eleito o Congresso já sabe que vai mudar tudo.

TRIBUNA DA IMPRENSA - Mas o sr. dependerá de matérias aprovadas no Congresso? Como conseguirá se não tiver a maioria?
ENÉAS CARNEIRO - Nós, do Prona, temos um representante hoje, no Congresso, não sei quantos teremos depois. Se fosse a maioria o importante, quando Collor foi eleito não teria feito o confisco, que é inconstitucional. E, no entanto, o Congresso todo se curvou. Quando os resultados forem favoráveis a nós, acredito que a corrida será natural para o nosso lado, como tem sido sempre. O poder efetivo atrai as pessoas. É normal. É preciso vacinar-se contra isso, como eu me vacinei. Em 1989, escrevi um documento dizendo que não seria candidato a nenhum outro cargo. Se eu quisesse, é notório para qualquer um, seria deputado em qualquer estado, do Acre ao Rio Grande do Sul. E eu não o quis porque o deputado federal não tem força para mudar. Já o presidente da República pode, se assim o quiser. O poder dele é monocrático, ele tem um grande poder. É assim que eu vejo, não é fechando o Congresso, o que não tem sentido nenhum.
Na hipótese de um segundo turno, com Lula enfrentando o atual presidente, com quem o sr. fica?
Neste cenário eu estou fora. Não há a menor possibilidade. Tanto um quanto o outro representam o que de pior pode existir no estágio atual em que o Brasil se encontra. Se fosse o sr. Brizola, eu ainda teria a opção por ele, que tem todo um passado nacionalista.

TRIBUNA DA IMPRENSA - Qual a sua restrição ao candidato Luiz Inácio?
ENÉAS CARNEIRO - Em 1992, o sr. Luiz Inácio assinou o Diálogo Interamericano, documento básico do qual saiu tudo o que está acontecendo, com a submissão dos países da América Latina à política que emerge do G-7. O Diálogo tem vários fundadores, entre eles, o Sr. Fernando Henrique. Qual não é nossa surpresa quando vimos a assinatura do Sr. Luiz Inácio. Ele é a mesma coisa, com um pouco mais de desordem porque, no caso do Sr. Luiz Inácio, há uma ignorância giganteca das grandes questões.

TRIBUNA DA IMPRENSA - E a possibilidade do ex-presidente Itamar Franco?
ENÉAS CARNEIRO - Por que não acredito no sr. Itamar? Porque ele foi presidente e permitiu que a Usiminas fosse privatizada. Ao assinar o documento a partir do qual se implantaria o Plano Real, por sugestão do seu ministro da Fazenda, ele permitiu que naquela ocasião as taxas de juros fossem para 8,13% ao mês, o que é um absurdo. Naquele momento, a maior taxa de juros era de 7% ao ano. Como é que eu posso atrelar-me a uma candidatura como essa.

TRIBUNA DA IMPRENSA - Qual o perfil ideológico do candidato Enéas Carneiro?
ENÉAS CARNEIRO - Uma palavra só: nacionalista. Nós defendemos a iniciativa privada, queremos dar um empurrão gigantesco na indústria nacional. Precisamos que o nosso industrrial possa sobreviver e não se transformar, pouco a pouco, em revendedor de produto estrangeiro. Quero que o nosso agricultor possa produzir, e não, como agora, a gente tendo de importar feijão. O velho conceito da esquerda está acabado. Mas também o que está aí à direita, que hoje está assimilada ao modelo neoliberal especulativo, não queremos mesmo. Por isso, não há como definir esse novo modelo: somos nacionalistas, defendemos a iniciativa privada, o industrial, a agricultura, todo mundo que quiser produzir. 1