Sócios Honorários
2011
Heloísa Santos
Tive o gosto e o privilégio de me ter cruzado com Heloísa Gonçalves dos Santos no pórtico da minha atividade científica em Genética Humana, em 1980.
Foi no Hospital de Santa Maria, onde tinha ido pedir para ser aceite como estagiário para a tese de licenciatura. Teria sido fácil receber um “não”, pois, na Unidade de Genética do Serviço de Pediatria, criada em 1974, e que coordenava, o laboratório era exíguo, e a equipa era pequena e com muito trabalho assistencial. Mas a resposta foi um “sim”, para ser realizado no Departamento de Genética da Faculdade de Ciências Médicas, no qual a Professora Heloísa Santos lecionava, dirigido pelo Senhor Professor Lopes do Rosário.
Desde então, acompanhei o seu percurso, como clínica, e como professora. E ainda, como investigadora, foi uma pioneira e defensora da investigação em genética médica em ambiência assistencial hospitalar, com inúmeras colaborações que a fizeram chegar a um patamar de respeito internacional, pois a sua visão acutilante sobre os doentes e a doença imprimiram força-motriz na descoberta de novos genes associados a patologias genéticas, mesmo quando alguns prestigiados grupos científicos internacionais duvidavam da sua proposta. E venceu a sua visão, e venceu a ciência dedicada aos doentes com doença genética.
A Professora Heloísa Santos, em 1991, doutorou-se em Genética pela Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Esteve na conceção do Serviço de Genética Médica do Hospital de Santa Maria e, em 1984, criou a Consulta de Genética do Hospital Pediátrico de Coimbra.
Foi uma grande promotora da criação da Especialidade de Genética Médica em Portugal. Ainda, com o seu espírito construtivista, fomentou a criação da Sociedade Portuguesa de Genética Humana, e foi a sua primeira presidente, e grande incentivadora da necessidade de a Ordem dos Biólogos acarinhar o desenvolvimento de uma área de Genética Humana, o que veio a acontecer, pois acolheria e representaria a maior parte dos profissionais não médicos na área da genética clínica laboratorial.
Relembro o seu papel como presidente da Reunião Anual da European Society of Human Genetics, em 1998, que decorreu em Portugal, evento científico que foi elemento-chave para que os financiadores públicos e privados portugueses colocassem a Genética Humana nas áreas elegíveis a financiamento, promovendo-se a nível nacional o seu estabelecimento de modo sólido.
A par com a sua atividade assistencial, de ensino e de investigação clínica, de promoção do associativismo científico ativo e do conhecimento científico pelo grande público, a Professora Heloísa Santos firmou-se como uma voz respeitada na área da bioética, tendo sido membro do International Bioethics Committee (IBC) da UNESCO e presidente da Comissão de Ética para a Saúde do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge. É presidente da Comissão de Ética da SPGH.
Heloísa Gonçalves dos Santos – médica, cientista, eticista, professora e defensora de causas cívicas de interesse público -, foi agraciada em 2011 como Sócia Honorária da Sociedade Portuguesa de Genética Humana.
Texto: Carolino Monteiro
Maria Guida Boavida
Maria Guida Andrade de França Gouveia Boavida, investigadora coordenadora aposentada do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (INSA) fundou, em 1974, o então denominado Laboratório de Genética Humana, tendo sido pioneira no desenvolvimento da Genética Humana Laboratorial em Portugal. Com uma licenciatura em Ciências Biológicas pela Faculdade de Ciências de Lisboa (1966) foi, durante cerca de dois anos, Assistente de Investigação no Grupo de Genética Quantitativa da Fundação Calouste Gulbenkian, em Lisboa. No ano seguinte, mudou-se para a Universidade de Leeds, Inglaterra, onde, em 1973, concluiu o seu Doutoramento em Genética. Regressada a Portugal, ingressou no INSA como Técnica Especialista onde implementou as novas técnicas de Citogenética Humana no Laboratório de Genética Humana, que viria a originar o atual Departamento de Genética Humana. Em 1989, passou a ser Investigadora Principal da carreira de investigação do INSA e, dez anos volvidos, tomou posse como Investigadora Coordenadora, tendo dirigido o Departamento durante mais de 30 anos. Distinguiu-se pela sua liderança ativa, estimulando continuamente o desenvolvimento da investigação e inovação técnica e científica, a par com a prestação de serviços laboratoriais à comunidade. Foi-lhe atribuído, na ocasião da sua aposentação em 2007, um louvor do Ministério da Saúde, pela forma exemplar e dedicada com que implantou e desenvolveu a área da Genética Humana no INSA.
2001
Rui Vaz Osório
O Dr. Rui Vaz Osório criou o Programa Nacional de Diagnóstico Precoce (PNDP) no Instituto de Genética Médica (IGM), Porto, onde dirigiu o laboratório de “Biologia Clínica” (1979-1987). De 1987-2001 foi diretor do renomeado Instituto de Genética Médica Doutor Jacinto Magalhães (IGMJM). Desenvolveu o Centro de Diagnóstico Pré-Natal com o Centro Hospitalar de Gaia desde 1985, foi ampliando o PNDP e presidiu à Comissão de Estudo e Estruturação da Genética Hospitalar (1988), que criou o “Ramo de Genética” na carreira TSS, tendo o IGMJM idoneidade para estágios; contribuiu para o desenvolvimento das “Carreiras Médicas Hospitalares de Genética”, aumentou o quadro de pessoal do IGMJM e representou-o como membro fundador do IPATIMUP em 1989, do CNUP em 1990 e do IBMC em 1997; ampliou o IGMJM, construiu um auditório e promoveu reuniões científicas; acompanhou pessoalmente centenas de Visitas de Estudo de alunos do ensino secundário no IGMJM e proferiu dezenas de Palestras, sobre “Genética”. Foi pioneiro na importação de alimentos/“Escola de Cozinha” para fenilcetonúricos e fomentou a criação da Associação Portuguesa de Fenilcetonúria (APOFEN). Ajudou à criação do “Ciclo de Estudos Especiais de Genética Médica” nos anos 90, que evoluíram para a criação da Especialidade de Genética Médica da Ordem dos Médicos, em 2000. Foi sócio fundador da Sociedade Portuguesa de Genética Humana (1997).
Com uma paixão humanizada, o Dr. Vaz Osório abraçou uma missão, levou-a até ao fim e fez escola, contribuindo decisivamente para a qualidade de vida de mais de 2.000 recém-nascidos atualmente saudáveis que, alternativamente, seriam irremediavelmente doentes.
Texto: Natália Oliva Teles e Ana Fortuna
1998
Arnold Munnich
Arnold Munnich nasceu em Paris (França) a 9 de outubro de 1949. Pediatra, geneticista e professor universitário de excelência da Universidade Paris-Descartes (Paris V), Arnold Munnich colocou, desde cedo (1990), a genética molecular ao serviço da pediatria. Dedicou-se e foi responsável por vários estudos pioneiros que permitiram a identificação de genes responsáveis por deficiências neurológicas, metabólicas, malformativas e sensoriais em crianças. Criou o departamento de genética do Hospital Necker-Enfants Malades (em Paris), no qual reuniu, no mesmo local e de forma inovadora, uma unidade de investigação do INSERM, dedicada à localização e identificação de genes, e um serviço de genética médica da Assistência Pública dos Hospitais de Paris dotado de um laboratório de genética molecular pré e pós-natal capaz de responder às necessidades dos doentes e suas famílias.
Foi assessor da Presidência da República (2007-2012). Cofundador e presidente do Institut des Maladies Genétiques – Imagine –, criado em 2007, o Professor Arnold Munnich é, atualmente, presidente do Conselho de Administração da Fundação Imagine. É autor de uma vasta obra científica na área da identificação de genes implicados em doenças genéticas, e foi agraciado com vários prémios e distinções nacionais e internacionais.
Texto: Luísa Mota Vieira
Luís Archer (1926-2011) introduziu o estudo e a investigação em Genética Molecular e Engenharia Genética no nosso país. Possuía três licenciaturas – teologia, filosofia e biologia. Enveredou pela Genética em obediência à orientação dos superiores da Ordem dos jesuítas a que, como padre, pertenceu. Era, na altura, assistente universitário de biologia. O próprio referiu numa entrevista “assim o decidiram contra vontade e gosto” por considerarem “necessária a presença da igreja” neste campo científico. A sua escolha pessoal da área de Genética Molecular foi “ feita na previsão da evolução da ciência e carências em Portugal”. Doutorou -se em 1967 nos EUA. Em 1971, foi convidado a criar o Laboratório de Genética Molecular do Instituto Gulbenkian de Ciência, que dirigiu até 1989. Em 1975, criou o Laboratório de Genética Molecular do Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar que coordenou até 1981. Foi também o primeiro Professor Catedrático de Genética Molecular da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa. Participou na criação, e presidiu ao Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida e foi pioneiro no desenvolvimento do pensamento bioético no nosso país. Era defensor da colaboração entre a igreja e a ciência (tal como Francis Collins) embora sem confundir as duas diferentes perspetivas. Afirmava que “o meu conhecimento de biologia tem-me salvo de interpretações erróneas ou supersticiosas da religião, assim como a minha posição religiosa me tem salvo de fazer da ciência um ídolo ou um absoluto”. Enfim, foi uma personalidade portuguesa ímpar que, como cientista e humanista, transmitiu a todos, com serenidade e inteligência, o seu vasto saber e com quem tivemos o gosto de muitas vezes contactar e a nossa sociedade de lhe prestar uma justa homenagem.
Texto: Heloísa Santos
1997
Corino de Andrade
Mário Corino da Costa Andrade, nascido em Moura (10 junho 1906), nas vastas planícies alentejanas, sempre achou o ruído do mar perturbador e enfadonho. Foi o segundo filho de um veterinário nascido em Goa e uma dona de casa de Beja. Em 1929, completa o curso de medicina, em Lisboa. Ruma a Estrasburgo, onde estagia 6 anos com Barré: foi o primeiro não-francês a receber o prémio Déjerine (1933), pelos seus estudos em patologia das meninges; seria nomeado chefe do Laboratório de Neuropatologia da Fac. Medicina (1935). Em 1936, no Instituto Max Planck de Berlin, estuda neurologia e neuropatologia com Oskar e Cécile Vogt.
Regressado a Portugal em 1938, por doença de seu pai, não encontra aceitação em Lisboa. Egas Moniz aconselha-lhe o Porto, mas a Fac. Medicina também não o acolhe. Assume brevemente cargo de chefia no Hosp. Conde Ferreira. Em 1939, assina contrato sem vencimento com o Hospital de Santo António, cujas enfermarias percorre em busca de doentes do foro neurológico (aos fins de semana viaja até Lisboa para fazer neurocirurgia com Egas Moniz).
Nesse ano, observa uma doente poveira com uma “forma peculiar de neuropatia periférica”, que estuda longamente e prova ser uma amiloidose primária e nova entidade clínica. Cidadão empenhado e politicamente ativo, é nas prisões da PIDE (1951) que revê as “galley-proofs” para o Brain (1952). A doença tornar-se-ia conhecida como polineuropatia amiloidótica familiar (PAF) tipo I (Português, Andrade) ou paramiloidose. Contribuiu ainda, com Paula Coutinho, para a descrição da doença de Machado-Joseph (1976), ao reconhecer a unicidade de três ataxias dominantes descritas como entidades distintas.
Criou o Serviço de Neurologia do HSA, que dirige até aos 70 anos, onde iniciou os laboratórios/serviços de neuroquímica, neurofisiologia, neurorradiologia, neurocirurgia, reanimação respiratória e o Centro de Estudos da Paramiloidose. Foi ainda um dos fundadores do ICBAS, de que foi presidente do conselho científico nos seus anos ativos restantes.
Incapaz de dar respostas a todas as suas questões, considerava-se um homem de interrogações, como todos os verdadeiros cientistas. Pessoa de enorme visão, inspirou diversas gerações de clínicos e investigadores, e antecipou, como era sua marca, o papel atual da bioquímica e da genética.
Texto: Jorge Sequeiros
Marcus Pembrey
O Prof. Marcus Pembrey é um médico geneticista britânico que dirigiu a Unidade de Genética Pediátrica do Institute of Child Health de 1979 a 1998 tendo atingido o título de professor em 1986 e exerceu as funções de vice-diretor do Institute of Child Health de 1990 a 1998.
Logo em 1979, aquando da sua nomeação como diretor da Unidade de Genética Pediátrica do Institute of Child Health, e geneticista clínico, Honorary consultant, no Great Ormond Hospital for Children, em Londres, Reino Unido, selecionou como tema de investigação a genética não mendeliana. Dedicou-se inicialmente ao estudo da etiologia de doenças monogénicas como o síndrome do X frágil (para o qual propôs o conceito teórico da existência de pré-mutações, anos antes da descoberta e caraterização do gene FMR1) ou o síndrome de Angelman. Mais tarde orientou investigação em epigenética com particular relevância para o projeto “Avon Longitudinal Study of Parents and Children” que dirigiu até 2006.
O Prof. Marcus Pembrey sempre valorizou a educação das populações, a necessidade de informar e sensibilizar as instituições governamentais para a relevância da genética humana, a avaliação das repercussões sociais e éticas das descobertas científicas e a imprescindibilidade da colaboração internacional. Em 1992 foi co-fundador do Progress Educational Trust do qual foi presidente quase sem interrupção até 2014; foi nomeado consultor do Chief Medical Officer, Departamento de Saúde do Governo Britânico, de 1989 a 1998; participou ativamente na Sociedade Europeia de Genética Humana e foi co-fundador da International Federation of Human Genetics Societies. Foi Presidente da Sociedade Europeia de Genética Humana em 1994 e1995, presidiu ao Committee on Ethical Issues (redenominado Public and Professional Policy Committee) de 1994 a 1998 e de 1996 a 2001 representou esta sociedade científica na International Federation of Human Genetics Societies.
Tive o privilégio de trabalhar diariamente com o Prof. Marcus Pembrey em 1990 e 1991: uma pessoa de inteligência arguta, fascinada pela genética, continuamente interessada em conceitos e teorias que explicassem as aparentes exceções; simpática, acolhedora e determinada em facilitar o treino em genética, médica ou laboratorial, a quem para isso estivesse preparada e motivada mas dando atenção especial a Portugal.
Texto: Jorge M. Saraiva
1996
Amândio Tavares
Amândio Gomes Sampaio Tavares licenciou-se em Medicina em 1952, no Porto, onde nasceu. Lembrava que durante os seus estudos teve apenas duas aulas sobre genética, uma sobre grupos sanguíneos e outra sobre cromossomas e hereditariedade mendeliana. Tornou-se assistente de patologia e começou a trabalhar precisamente com grupos sanguíneos. Como gostava de recordar, foi logo em 1952 que, a pedido do bispo de Viseu, fez o primeiro teste de exclusão de paternidade baseado no Rh e ABO. No ano seguinte, estudou a cromatina de Barr em teratomas – “o sexo do cancro” (Lancet, 1955). Estes estudos levam-no a ser convidado para uma reunião sobre cromatina sexual, em Londres (1957), onde conhece Polani e Anders, com quem viria a estabelecer importantes colaborações.
Em 1958, defende a sua tese de doutoramento na patologia da glândula mamária masculina. No mesmo ano, inicia culturas celulares e, em 1959, realiza o primeiro cariótipo humano a partir de sangue periférico, que o conduziriam ao estabelecimento da prática da genética clínica e do aconselhamento genético em Portugal.
Os seus muitos interesses científicos incluiriam ainda, entre outros, a genética das populações humanas e a evolução, a genética matemática e estatística, a informática médica (o seu Wang 2200 foi “o primeiro computador com ecrã” no Porto), o planeamento familiar, a genética da reprodução, a biologia social e a bioética.
Amândio S. Tavares cria, em 1977, a primeira disciplina de Genética Médica, na Fac. Medicina do Porto (e já antes, em 1970, como parte da Patologia Geral). Foi membro da Academia de Ciências de Lisboa e da World Academy of Art and Science. Foi o primeiro sócio honorário da SPGH (em 1996).
Recebe e orienta ou influencia, entre tantos outros, os pediatras que viriam a iniciar os primeiros serviços de genética médica em Lisboa e Porto, embora ele próprio nunca tenha chegado a ver reconhecido o serviço do seu hospital (a consulta externa do HSJ seria oficializada apenas em 1985). Amândio Tavares foi de facto o pai fundador da Genética Médica/Clínica em Portugal. Mas, como dizia, com a sua notória modéstia, “O que vale é que, como de costume, eu sou o primeiro a rir-se de mim mesmo: nunca me levei muito a sério…”.
Texto: Jorge Sequeiros